O Brasil está pessimista, e não é por causa da selecção

Insegurança, ameaças de greve, protestos, escândalos. Tudo preocupa o Brasil a um mês do início do Mundial de futebol.

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Os atrasos no Mundial estão a causar dificuldades a Dilma Rousseff NELSON ALMEIDA/AFP

Num país habitualmente associado à alegria e boa-disposição, o ambiente foi tomado pelo pessimismo, como se, de repente, o Brasil tivesse apostado em provar a cientificidade das leis de Murphy. Se tudo o que pode correr mal vai correr mal, então os aeroportos não vão comportar as chegadas dos turistas do Mundial; as esplanadas vão ser varridas pelos manifestantes que exigem mais escolas e hospitais, em vez de estádios; os adeptos serão assaltados, física ou metaforicamente, e no fim a selecção do Brasil ainda fica sem a taça…

Para o colunista da Folha de São Paulo Vinicius Torres Freire, o actual ambiente de pessimismo – que também pode ser desânimo ou desconfiança – é uma expressão da insegurança da população relativamente à economia, e também do mau humor dos brasileiros com o estado do seu sistema político. Para já, os protestos dos movimentos Sem-Tecto e Resistência Urbana da semana que passou prometem uma tensão crescente.

Apesar de o desemprego se manter num nível historicamente baixo, e o rendimento médio continuar a subir (assim como o consumo), as expectativas dos brasileiros relativamente à evolução da economia são negativas. As últimas estatísticas mostram que 65% acreditam que a inflação vai subir, um número que Torres Freire interpreta como a manifestação da sua incerteza quanto ao futuro. “As pessoas respondem que a inflação vai subir quando acreditam que vem aí um período de crise”, explica.

“Claro que não é só a economia” que justifica esta espécie de malaise da população brasileira, prossegue Vinicius Torres Freire, ao telefone com o PÚBLICO. “Temos um pessimismo económico, que é notório desde meados de 2012, e também um pessimismo político, que foi detonado pelos protestos do Verão de 2013”, e cujas causas e consequências ainda não são totalmente conhecidas. “Ainda estamos todos à procura de saber o que aconteceu”, confessa o colunista.

A explicação mais consensual para o descontentamento que levou milhões a manifestarem-se nas ruas aponta para a divergência (profunda) entre o ritmo do crescimento económico e o desenvolvimento das infra-estruturas sociais no Brasil, que veio acentuar a má qualidade da vida quotidiana, particularmente nas grandes cidades. Como escreveu Torres Freire, “os brasileiros passaram a querer algo mais da vida”.

Passado um ano, esse mal-estar social difuso mantém-se, penalizando naturalmente o Governo. No auge das manifestações, a taxa de popularidade da Presidente Dilma Rousseff, candidata a um segundo mandato nas eleições marcadas para Outubro, caiu para metade, dos 60 para os 30%. Nos meses seguintes, Dilma conseguiu recuperar algum prestígio e galgou terreno, ao ponto de aparecer nas sondagens do início do ano com a reeleição garantida. Mas esse cenário voltou a alterar-se, como provam os últimos números, que dividem as intenções de voto em Dilma e na oposição praticamente a meio, atirando a ainda provável vitória da Presidente para a segunda volta.

Os brasileiros só começam a prestar atenção à campanha eleitoral quando esta chega à televisão e, por isso, Dilma Rousseff (e o seu Partido dos Trabalhadores) ainda têm tempo para afinar a sua mensagem. Mas o espaço de manobra é curto, com a avaliação da Presidente suspensa dos resultados de uma comissão parlamentar de inquérito ao seu papel num negócio ruinoso da Petrobras (fechado no tempo em que Dilma presidia ao conselho de administração da petrolífera estatal), que tem o potencial de descobrir uma nova teia de favorecimentos nas cúpulas do poder político e económico.

Para Dilma e o PT, já escaldado pelo escândalo do "Mensalão", o pior que pode acontecer é que volte a instalar-se a ideia da corrupção generalizada. E não apenas nos negócios das grandes empresas – o tema da corrupção policial, por exemplo, também tem o potencial de “perturbar” a campanha da maioria. “Nesta altura, para o Governo, só tem má notícia”, resume Vinicius Torres Freire.

Na oposição, o líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, já jogou as suas cartas: afastou-se do Governo do estado de Pernambuco, com a taxa de popularidade mais alta de todos os governadores do país, e fechou acordo com Marina Silva, a antiga ministra do Ambiente de Lula e ex-senadora ecologista, que foi a concorrente-sensação nas presidenciais de 2010. A “legenda”, como chamam os brasileiros a estas alianças eleitorais, apresentou oficialmente a candidatura, com Campos a correr pela presidência e Marina a "vice", desafiando a base governista pela esquerda.

Pelo seu lado, o Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), principal força de oposição, ainda não oficializou a candidatura de Aécio Neves, senador de Minas Gerais e neto do querido Presidente Tancredo Neves, mas ela é já um dado adquirido (ainda que nem todo o partido esteja convencido de que Aécio seja o melhor concorrente). O que dá bem conta de como a pré-campanha permanece em segundo plano, até acabar o Mundial: ninguém está interessado em queimar cartuchos sem saber como vai acabar a festa.

O apoio no país à realização do campeonato de futebol baixou para os 48%, revelou a Datafolha no início de Abril. Mas como lembram vários comentadores, o mesmo cepticismo manifestado nas vésperas de outros grandes eventos acolhidos recentemente pelo Brasil não comprometeu o seu sucesso. No que diz respeito ao impacto da "Copa" na política brasileira, os prognósticos vão ficar mesmo para o fim do jogo.

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