“Cultura de compromisso” é essencial para a estabilidade da democracia, defende Cavaco Silva

Presidente alerta para necessidade de entendimento entre partidos sobre reforma do Estado e “orientações políticas estratégicas”.

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Presidente da República enviou diplomas para fiscalização preventiva de inconstitucionalidade Daniel Rocha

Discursando na abertura da conferência Portugal: Rotas de Abril, integrada nos Roteiros do Futuro e destinada a assinalar os 40 anos da revolução, Cavaco Silva afirmou que é “imprescindível assegurar um crescimento económico estável, com forte investimento no sector da produção de bens e serviços que concorrem com a produção externa”.

Mas para isso “há um conjunto de reformas do Estado e de orientações políticas estratégicas que devem ser objecto de um entendimento de médio prazo entre as forças partidárias”. Um apelo directo aos partidos da oposição um dia depois de o Governo ter aprovado o guião final para a reforma do Estado.

“Sem esse compromisso, mantendo-se a prevalência das oscilações erráticas do tempo curto sobre a perspectiva nacional do tempo longo, Portugal muito dificilmente será capaz de assegurar uma trajectória sustentável de desenvolvimento”, avisou o Presidente da República. Uma trajectória, vincou, especialmente necessária em Portugal para enfrentar os problemas da dívida pública e do desemprego.

Durante toda a sua intervenção, o chefe de Estado não se cansou de repetir a importância de uma “cultura de compromisso” como base para o desenvolvimento do país. Lembrou que a estabilidade nos primeiros anos do pós-25 de Abril só foi alcançada devido a um “compromisso histórico entre o poder militar e o poder civil” que permitiu mesmo evitar uma guerra civil e conseguir fazer aprovar a Constituição. No caso da Europa, esta só conseguiu a paz e um período de bem-estar devido a um “compromisso firme em trono de uma constelação de valores políticos”, os mesmos que permitiram depois a fundação da União Europeia e a criação do euro.

“A pertença à União Europeia trouxe benefícios indiscutíveis para os portugueses, mas também exigências de responsabilidade e rigor que só podem ser satisfeitas através de entendimentos de amplo alcance”, avisou ainda o Presidente. “Temos de compreender, em definitivo, que existem na sociedade portuguesa desafios que só poderão ser vencidos numa perspectiva temporal alargada e no quadro de uma cultura de compromisso”, realçou.

O pacto de Eanes
O general Ramalho Eanes, a quem coube fazer um testemunho de abertura da conferência, logo a seguir à intervenção de Cavaco, haveria de ir pelo mesmo caminho, mas preferiu a palavra “pacto”. “Urge realizar” um “programa de reforma económica e política, pactado com suficiência partidária e social a longo prazo”. Um pacto “indispensável e urgente” antes que seja “demasiado tarde”, avisou o primeiro chefe de Estado do período democrático, parafraseando McCarthy.

“O novo ciclo impõe-nos definir um pacto, partidário e social, um novo rumo estratégico para Portugal e assim conseguirmos evitar a decadência que nos ameaça mas também, e sobretudo, assegurarmos o caminho para construirmos o futuro que ambicionamos”, vincou Ramalho Eanes.

Para isso, é importante um esforço para “fazer o principal: alcançar um compromisso que integre uma estratégia de consenso maioritário do poder político e da sociedade civil, e em especial as forças sociais, para orientar e desenvolver com coerência e eficácia as políticas de modernização competitiva da economia e apoiá-la sustentadamente”. Para a recuperação da economia é preciso aproveitar o talento jovem e reabilitar sectores tradicionais como a agricultura, acrescentou Ramalho Eanes.

“Creio que os portugueses aspiram à obtenção de tal compromisso, que garanta a todos a construção do bem futuro. Eu confio na sua obtenção por acreditar no patriotismo e lucidez dos decisores políticos e da nossa sociedade civil, num momento em que o patriotismo e a lucidez constituem um verdadeiro imperativo nacional”, realçou o antigo Presidente.

O Estado social de que não se pode abdicar
Cavaco Silva afirmou que o Estado social europeu “é um património de que não podemos abdicar e que só pôde nascer devido à existência de um compromisso entre forças políticas de quadrantes diversos”. E lembrou que a pretensa à União Europeia “trouxe benefícios indiscutíveis para os portugueses, mas também exigências de responsabilidade e rigor que só podem ser satisfeitas através de entendimentos de amplo alcance”.

O compromisso é também indispensável para a sustentabilidade desse modelo social, que permitiu “progressos extraordinários em domínios como a educação e a saúde, a qualidade de vida das populações e a protecção social dos cidadãos que, devido a várias circunstâncias como a velhice, o desemprego ou a doença, se encontram particularmente vulneráveis”.

Pegando no tema da conferência – “Democracia, Compromisso e Desenvolvimento" -, o Presidente discorreu sobre a importância de cada um destes conceitos, mas colocou sempre a tónica no compromisso. Porque “a democracia, na verdade, pressupõe uma cultura de compromisso” e porque o desenvolvimento também “se funda numa cultura de compromisso democrático”.

“Só a democracia pode assegurar o desenvolvimento autêntico e sustentado, porque apoiado num amplo compromisso social e político”, realçou Cavaco Silva.

O Presidente vincou a diferença entre o que chamou “o tempo curto e o tempo longo”. O primeiro diz respeito aos “ciclos económicos, políticos e eleitorais”; o segundo “remete para opções estratégicas que ultrapassam o prazo limitado de uma legislatura ou dos mandatos dos governantes”.

Ora, é precisamente para responder a esse tempo longo que o primeiro-ministro tem apelado a um compromisso do PS, tal como o fez Cavaco Silva no Verão do ano passado, ao pedir um compromisso de salvação nacional entre o Governo e os socialistas – que acabou por sair gorado.

O "pacto de coragem"
O sociólogo político Manuel Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa, que falou no painel "Compromisso - por uma nova nova cultura política", lembrou o afastamento dos cidadãos da política e dos partidos e desfiou alguns números: em 40 anos de democracia, Portugal conheceu 25 governos, 15 primeiros-ministros e centenas de governantes. Das 12 legislaturas apenas quatro não foram interrrompidas por derrubes de governos e nenhuma coligação interpartidária até hoje terminou uma legislatura.

"As oposições solicitam com demasiada frequência a queda do Governo, mesmo que maioritário, apresentando para esse efeito moções de censura, com elevada frequência, mesmo que sem hipóteses de êxito, exigindo do Presidente intervenções que estão fora dos poderes que a constituição lhe confere", descreveu Braga da Cruz. E realçou: "O entendimento escasseia em momentos particularmente críticos, como o que se tem vivido."

"Estamos perante a urgência de dar início a um novo ciclo", defendeu o sociólogo, acrescentando que "precisamos repensar o sistema constitucional antes que o seu esgotamento nos coloque perante inevitáveis rupturas." Mais: "Precisamos voltar à pureza original do 25 de Abril que pretendia democratizar Portugal pela implantação da liberdade e não socializar a sociedade portuguesa", afirmou o investigador.

"Precisamos de um sistema de Governo que responda às necessidades de establidade e de governabilidade política e de equilíbrio orçamental, sem as quais não será possível relançar o desenvolvimento de forma justa e sustentável. Precisamos de encontrar mecanismos que garantam goervnos maioritários e estáveis com mandatos de legislatura.

A crise financeira que o país atravessa "exige um novo compromisso orçamental entre as várias forças partidárias". E também "grandes acordos de regime, aquilo que o Presidente Jorge Sampaio já em 1998 chamava o 'pacto de coragem': acordos de regime que garantam a continuidade, para além das legislaturas, da prossecução de metas de desenvolvimento económico e social e que agregem nesse compromisso não apenas os principais partidos mas também as forças sociais e as grandes instituições culturais".

Só quase no final das intervenções se percebeu, porém, de onde vinha todo este discurso concertado sobre a necessidade da cultura de compromisso e de entendimento: José Maria Magone, doutorado em ciência política e professor na Berlin School of Economics and Law deixou escapar que a Presidência da República lhe enviara uma espécie de guião resumido sobre quais deveriam ser os tópicos a abordar na sua palestra.

As conferências Roteiros do Futuro, promovidas pela Presidência da República e que vão já na terceira edição, são comissariadas pelo médico João Lobo Antunes, membro do Conselho de Estado, e coordenadas pelo antigo ministro da Educação David Justino. 
 

   

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