O dia em que Putin desfraldou a bandeira da Rússia na Crimeia
Milhares de soldados russos desfilaram na Praça Vermelha de Moscovo, numa parada militar marcada pela crise na Ucrânia. O Presidente russo aproveitou para exaltar o "triunfo do patriotismo" ao marcar vitória na II Guerra Mundial.
À chegada, depois de assistir a um desfile militar que marcou o 69.º aniversário da capitulação da Alemanha nazi, na II Guerra Mundial, Putin fez questão de fechar o ciclo da passagem da Crimeia para as asas de Moscovo: “Tenho a certeza de que 2014 vai figurar na história do nosso país como o ano em que as nações que aqui vivem decidiram com firmeza juntar-se à Rússia, afirmando a sua fidelidade para com a verdade histórica e a memória dos nossos antepassados.”
Milhares de pessoas encheram as ruas de Sebastopol para receberem Putin como um verdadeiro conquistador – na principal praça da cidade, o Presidente russo foi aplaudido e cumprimentou os novos cidadãos da Federação Russa ao som de gritos como “Viva a Rússia!”.
“Ainda há muito trabalho pela frente”, disse Putin, numa alusão ao problema económico que Moscovo tem de enfrentar perante um inesperado alargamento do seu território, mas a vitória é certa: “Vamos ultrapassar todas as dificuldades porque estamos unidos, o que significa que nos tornámos mais fortes.”
Ao mesmo tempo que Vladimir Putin era recebido como um herói na Crimeia, mais a norte, em Kiev, o Governo interino que chegou ao poder na Ucrânia após a deposição do Presidente Viktor Ianukovich olhava para baixo com indignação.
A chegada do Presidente russo a Sebastopol foi uma “grosseira violação da soberania da Ucrânia”, disseram as autoridades de Kiev.
O secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, classificou a visita de Vladimir Putin à Crimeia como “desadequada”. “Consideramos a anexação da Crimeia pela Rússia ilegal, ilegítima e não a reconhecemos”, sublinhou o líder da aliança atlântica.
Dos EUA chegaram também palavras de condenação, através da porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, Laura Magnuson: “Não aceitamos a anexação ilegal da Crimeia pela Rússia. Esta visita irá apenas servir para agravar as tensões.”
Nada que pusesse em causa as manifestações de delírio nas ruas da cidade portuária, ornamentada com cartazes gigantes com frases como “Sebastopol sem fascistas” e “É nosso dever recordar”.
Natalia Maliarchuck, de 52 anos, resumia à agência Reuters o quadro mental que tornou a anexação da Crimeia ainda mais fácil do que a sua maioria russa e pró-russa já fazia prever. “Estou aqui para impedir quaisquer provocações dos fascistas. Servi numa unidade de autodefesa em Março, e considero ser meu dever estar aqui.”
Demonstração de força em Moscovo
Antes da chegada à Crimeia, Vladimir Putin esteve na Praça Vermelha, em Moscovo, palco das mais impressionantes comemorações do 69.º aniversário da capitulação nazi que se realizaram em todo o território russo e em outros países da Europa do Leste.
E o discurso do Presidente russo não gorou as expectativas, enchendo-se de exaltação patriótica, com avisos subentendidos, sem nunca mencionar directamente a Ucrânia: o dia 9 de Maio, disse, “é uma celebração do triunfo da força toda-poderosa do patriotismo, durante a qual sentimos de uma maneira particular o que significa ser fiel à pátria, e como é importante defender os seus interesses”.
Cerca de onze mil soldados participaram no desfile, numa demonstração do poderio militar russo, sob o olhar de Vladimir Putin e do primeiro-ministro, Dmitri Medvedev.
O Dia da Vitória é comemorado na Rússia e noutros países da Europa do Leste no dia 9 de Maio devido à diferença no fuso horário em relação à Alemanha — quando a capitulação foi confirmada, no dia 8 de Maio de 1945, em Berlim, já passava da meia-noite em Moscovo.
As comemorações assumiram este ano outra dimensão devido à crise na Ucrânia. Teme-se que o fervor patriótico dos últimos tempos na Rússia — alimentado pela anexação da península da Crimeia, em Março — possa contribuir para uma nova vaga de violência no Leste da Ucrânia, e até mesmo na capital, Kiev, que esteve nesta sexta-feira rodeada de postos de controlo.
Os mais de 26 milhões de mortos com que a então União Soviética pagou a vitória sobre a Alemanha nazi torna as comemorações deste ano ainda mais sensíveis, devido ao sentimento entre a população russa e pró-russa do Leste da Ucrânia que o Governo interino de Kiev (a que Moscovo não reconhece legitimidade) está dominado por grupos neonazis.