As estrelas-do-mar estão a morrer e ninguém sabe porquê
Na América do Norte, ao longo de toda a costa, alguma coisa as está a dizimar, ainda sem explicação científica. Por outro lado, na Austrália há uma espécie que está a ser abatida para proteger a Grande Barreira Coral.
Apesar do trabalho desenvolvido por vários cientistas, a origem destas mortes é um mistério, como relatou no início deste mês Maio a revista Science num artigo noticioso. Comparando com os registos de surtos idênticos em 1978 e em 1997, ocorridos na Califórnia, agora a dimensão da devastação é muito maior. O problema apareceu em 2013: primeiro atingiu a estrela-do-mar-púrpura (Pisaster ochraceus) e a estrela-do-mar-sol (Pycnopodia helianthoides), depois foi a estrela-do-mar-morcego (Asterina miniata). Mas, ao longo de milhares de quilómetros da costa, estão a ser afectadas cerca de 20 espécies, como a estrela-de-espinhos-gigantes (Pisaster giganteus).
“Nas últimas décadas, tem-se observado, em diversos grupos marinhos, um aumento do número e da intensidade de surtos de doenças. A grande novidade desta morte maciça de estrelas-do-mar nas zonas costeiras do Norte do Pacífico está relacionada com a extensão geográfica do fenómeno”, explica Joana Micael, doutorada em ciências do mar e investigadora no pólo dos Açores, em Ponta Delgada, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-Açores).
“Não há registos de uma área tão extensa — desde o Alasca até ao Sul da Califórnia — e que tenha sido afectada em simultâneo. Na costa Leste, uma versão menos acentuada do fenómeno já tinha ocorrido em 2010”, acrescenta a cientista portuguesa. “Se o número de mortes continuar a aumentar, pode falar-se em extinção local. Estas espécies têm uma ampla distribuição geográfica, pelo que falar em espécies em vias de extinção é muito prematuro.”
Quando são afectadas por este problema enigmático, as estrelas-do-mar têm lesões brancas à superfície do corpo. Os tecidos tornam-se moles, os animais ficam sem braços, o corpo rompe-se e os órgãos internos saem. “Com esta síndrome, o epitélio das estrelas, a camada de tecido que está em contacto com o ambiente, desintegra-se”, explica Joana Micael.
Até agora, desconhece-se a causa desta mortandade. Persiste a dúvida se é uma bactéria, um vírus, se são factores ambientais da água (como níveis baixos de oxigénio), se são as alterações climáticas, se é algo que vem das aves marinhas ou de outros animais. Apenas uma certeza: nos indivíduos já afectados, temperaturas mais elevadas da água aceleram a progressão desta síndrome.
Por exemplo, uma veterinária do aquário de Seattle, nos EUA, começou a ver estrelas-do-mar num canal à volta das instalações do aquário a morrer repentinamente em Outubro do ano passado. Em Novembro, Lesanna Lahner já não via nenhuma das três espécies que costumavam andar por ali, relatou a revista Science.
Pouco depois, também as estrelas-do-mar nos tanques do aquário estavam afectadas e a veterinária isolou as mais doentes. Para encontrar uma solução, pediu ajuda a Gregory Lewbart, autor do manual Invertebrate Medicine, que tem um só parágrafo sobre como tratar estrelas-do-mar e outros equinodermes como elas. E a resposta dele foi: “Lamento.”
Em Portugal, não há registo do problema, onde quer no Continente quer nos Açores e na Madeira vivem dezenas de espécies de estrelas-do-mar (nos Açores, a nível costeiro, existem cerca de 12). “Há espécies que se encontram tanto no Continente como nas ilhas e outras que se encontram só nas ilhas ou só no Continente”, diz Joana Micael.
“Seria fundamental que decorressem monitorizações específicas [em Portugal], nomeadamente com a colaboração das empresas de mergulho, que poderiam enviar os seus registos fotográficos de indivíduos potencialmente afectados para cientistas, para que estes possam intervir de forma antecipada e tentar contribuir para a solução de um problema mundial”, defende a investigadora.
Na Austrália, o abate
Enquanto na América do Norte as estrelas-do-mar estão a morrer e ninguém sabe porquê, na Austrália a sua morte é propositada. Nos últimos dois anos, o Governo australiano supervisionou o abate de 250.000 coroas-de-espinhos (Acanthaster planci), uma estrela-do-mar nativa da Austrália, anunciou o ministro do Ambiente Greg Hunt em Abril, segundo noticiou a revista Nature.
Após um período de relativa raridade, a coroa-de-espinhos pode ter um aumento populacional abrupto, considerado uma das grandes ameaças da Grande Barreira de Coral, uma faixa de corais com cerca de 2300 quilómetros de comprimento, entre o Nordeste da Austrália e Papuásia-Nova Guiné. Este abate faz parte do plano australiano de gestão sustentável da Grande Barreira até 2050.
“Nas últimas décadas, as coroas-de-espinhos foram responsáveis por 42% das perdas de corais na Grande Barreira de Coral”, disse Greg Hunt, citado em Abril pelo jornal The Sydney Morning Herald.
“Estes aumentos populacionais podem originar uma mortalidade maciça dos corais”, refere ainda Joana Micael, acrescentando que esse fenómeno contribuiu para destruir a estrutura complexa dos recifes.
Para controlar essa explosão, cientistas da Universidade James Cook, em Cairns, na Austrália, desenvolveram um método de abate: as coroas-de-espinhos são apanhadas por mergulhadores, que lhes aplicam uma injecção letal, provocando uma reacção alérgica e a morte em 24 horas.
Mas o problema na Austrália também inclui outra espécie, a estrela-do-pacífico-norte (Asterias amurensis). Introduzida acidentalmente na Tasmânia, na década de 1980, tornou-se um predador dominante de invertebrados no estuário de Derwent. Para minimizar a situação, milhares de estrelas desta espécie têm sido removidas das zonas costeiras. “Devido ao seu comportamento alimentar voraz, é uma espécie que provoca constantemente impactos negativos na aquacultura de espécies de bivalves”, explica Joana Micael.
Seja como for, as inúmeras espécies de estrelas-do-mar têm um papel ecológico importante nos ecossistemas. Sensíveis à poluição, se desaparecerem, a cadeia alimentar é perturbada e os moluscos — que as espécies carnívoras de estrelas-do-mar comem — irão aumentar consideravelmente, alterando os habitats. “As espécies carnívoras predam esponjas, moluscos, caranguejos, corais, vermes ou outros equinodermes”, refere a investigadora. “Algumas estrelas são raspadoras, alimentando-se de peixes e invertebrados em decomposição. Outras são detritívoras, enchendo os seus estômagos com sedimentos, de onde extraem organismos microscópicos e matéria orgânica.”
Para lá do papel ecológico, as cerca de 1800 espécies de estrelas-do-mar em todo o mundo, nas mais diversas cores e formas, incluindo a grande variedade no número de braços, tornam a Terra mais rica e bela.
Texto editado por Teresa Firmino