Deputados querem que lei sobre “barrigas de aluguer” inclua situações de “arrependimento”

Coordenador do grupo de trabalho sobre procriação medicamente assistida diz que os deputados querem introduzir maior "certeza jurídica, para prevenir conflitos futuros”.

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A actual legislação proíbe a maternidade de substituição João Guilherme

Em Janeiro de 2012 entraram no Parlamento dois projectos de lei, um do Partido Socialista, outro do Partido Social-Democrata, que pretendem legalizar a maternidade de substituição, uma prática que é proibida pela actual lei sobre procriação medicamente assistida e sancionada com uma pena que pode ir até aos dois anos de prisão. É definida como qualquer situação em que uma mulher se disponha a suportar, de forma gratuita, uma gravidez por conta de outrem e a entregar a criança após o parto, renunciando dos seus direitos de mãe. O grupo de trabalho chegou a acordo que deve passar a usar-se a expressão “gestação de substituição”, “porque não está em causa a maternidade”. A prática é vulgarmente conhecida como “barrigas de aluguer”, embora não estejam em causa pagamentos.

Miguel Santos, que lidera o grupo de trabalho sobre as alterações à lei sobre procriação medicamente assistida, em que se inclui esta questão, tinha dito que este processo legislativo poderia estar finalmente concluído em Maio, mas na reunião de terça-feira do grupo de trabalho chegou-se à conclusão de que a questão do arrependimento, ou “revogabilidade do consentimento das partes”, deveria estar prevista na lei, em vez de ser remetida para a regulamentação do Governo, explica.

Outra questão que se pretende que esteja prevista na lei tem a ver com eventuais situações de “incumprimento”, ou seja, quando uma das partes entende que não quer cumprir o acordo de gestação de substituição, mesmo que este cumpra a lei. Está a falar-se de situações hipotéticas em que, por exemplo, a gestante pode querer interromper a gravidez ou manter o filho. “Queremos que na lei sejam encontradas soluções para que estas questões não fiquem entregues à jurisprudência.”

Miguel Santos diz que esclarecer na lei estas questões introduz “maior certeza jurídica” e pode “prevenir conflitos futuros”. Afirma que “é opinião unânime que não devem ser questões que ficam em aberto”. Nesse sentido, o grupo de trabalho pediu aos serviços jurídicos da Assembleia da República um estudo de direito comparado, para perceber como resolveram os países que autorizam a prática estas questões, explica o parlamentar. “O Reino Unido já tem uma experiência de mais de dez anos, podemos aprender pela experiência.” Não existem prazos de resposta dos serviços parlamentares, mas o deputado prevê que possa demorar mais duas a três semanas.

Outra das questões que continuam a levantar dúvidas está relacionada com a moldura penal que se aplica a quem fizer contratos de gestação de substituição pagos. A gestação de substituição terá sempre de ter natureza gratuita, prevendo-se pena de prisão de dois anos ou de 240 dias de multa para quem não cumpre, a mesma moldura prevista para quem incentive este tipo de contrato. A dúvida é se a celebração e a promoção deste tipo de contratos deve ter o mesmo tipo de penalização, explica o deputado Miguel Santos.

Miguel Santos diz compreender que “há muitas expectativas geradas”, mas pensa que, “a bem de uma maior segurança jurídica, se justifica este esforço final": "Fui eu que escrevi a proposta do PSD, quero aprová-la.”

Vera Lúcia Raposo, investigadora do Centro de Direito Biomédico e autora do livro De Mãe para Mãe –  Questões Legais e Éticas Suscitadas pela Maternidade de Substituição, diz que, face a outros países onde a prática existe, caso do Reino Unido, Grécia, alguns estados dos EUA, a proposta de solução portuguesa pode ser considerada “moderada”, porque prevê a gratuitidade e situações de saúde limitadas para lhe ter acesso (caso da ausência de útero). Como possíveis candidatas surgirão “provavelmente apenas familiares ou amigas próximas da mulher contratante”.

Questionada sobre quais têm sido os principais problemas que se levantam nos países em causa responde que “o principal problema que pode decorrer destes contratos prende-se com a divergência de interesses ente as partes, de tal modo que entram em aberto conflito, seja porque todos (pais contratantes e gestante de substituição) desejam para si a criança, sejam porque nenhum deles a quer (ainda que este segundo cenário seja mais raro)”. A jurista refere que “a litigiosidade poderá ser em grande medida minorada com uma regulamentação cuidadosa dos contratos de gestação, nomeadamente em termos de conformação legal ou regulamentar do respectivo conteúdo contratual”.

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