Almeida Santos: “Fui fundamentalmente um legislador”
“Fiz dezenas de leis no próprio Conselho de Ministros, eram aprovadas logo ali e publicadas. Posso ter a vaidade de ter sido eu um dos principais artífices. Trazia de Moçambique uma linguagem jurídica e pediram-me para fazer as leis. Dificilmente terá havido um legislador que tenha feito tantas leis e tão rapidamente”, assume com um sorriso, António de Almeida Santos, que é considerado como a figura marcante na produção legislativa que serviu de base à nova sociedade democrática nascida a 25 de Abril.
Falando da sua obra como legislador, Almeida Santos salienta: “A Lei da Nacionalidade [1975] foi uma das mais importantes que fiz. Era tudo português. Mário Soares e Vasco Gonçalves pediram-me lei generosa. Disse: não faço.” E impos uma lei que dava a nacionalidade portuguesa apenas a quem provasse ter ascendência nascida na metrópole até terceira geração.
Outra lei que Almeida Santos destaca é a da unidade sindical/unicidade sindical, do início de 1975. Recorda que, quando da discussão em Conselho de Ministros, depois de “três empates, em três votações” e num momento em que “o país estava à beira da guerra civil”, antes que se fizesse a quarta votação “o coronel Fernandes [José Augusto Fernandes, ministro do Equipamento Social e Ambiente do III e no IV Governos provisórios] pediu a palavra e disse: ‘Estamos à beira da confrontação, vou alterar o meu voto para a unicidade, mas com duas condições: quero uma lei democrática e que seja feita pelo ministro Almeida Santos”. Este conta que tentou escusar-se, “mas todos concordaram” que fosse ele, “incluindo Cunhal”.
Teve “oito dias” para se atirar ao trabalho, onde se orientou pela lei inglesa e pela francesa. “Percebi que se o quórum dos sindicatos fosse alto para se tomar uma decisão [sobre que tipo de sindicalismo] a lei dava mais garantias”, conta Almeida Santos, prosseguindo: “A lei inglesa tinha a quota de 50%, ou seja, 50% mais um dos sindicalizados tinham de votar para a decisão [de só haver uma central] fazer efeito. Fiz a lei assim. Quando o Cunhal, com quem tinha uma boa relação, percebeu, fez um discurso terrível. Eu aleguei que tinha ido ler as leis francesa e inglesa, dois países democráticos.”
O antigo presidente da Assembleia da República reconhece ainda: “As leis de solução do problema colonial foram todas redigidas por mim, à excepção do acordo de Independência de Angola, que foi feito pelos três movimentos independentistas de Angola, eu apenas corrigi.”
Com um brilho de satisfação nos olhos, conta: “A lei da independência de Cabo Verde tive de fazê-la em duas horas. Os soldados portugueses estavam fartos de estar em Cabo Verde, fizeram reunião e mandaram telegrama para o Presidente através do meu gabinete, onde diziam: ou dão a independência no prazo de 5 dias ou nós damos aqui.”
E prossegue: “Fui falar com Costa Gomes, disse que isto era um acto de traição que não sabia resolvê-lo. Ainda admiti demitir-me. Liguei para a Guiné para o Pedro Pires, pedi-lhe para vir a Lisboa com urgência, falei com ele e ele disse: ‘A malta topa.’ Ele veio e, na presença dele, em voz alta, ditei para a secretária o acordo de descolonização. O Pedro Pires concordou. Telefonei para o Presidente, disse-lhe que tínhamos de reunir com o primeiro-ministro, o Mário Soares, o Melo Antunes. E assinarmos, pois se não fizéssemos isso os soldados vinham embora.”
Já no período Constitucional, salienta a legislação que estabilizou a Comunicação Social e reconhece o seu papel como ministro da Justiça. “Quando ministro da Justiça tive de fazer mais que nunca. A maior parte das leis estava desajustada com a Constituição, tive de revê-las, incluindo os Códigos. A reforma da legislação tinha o prazo de um ano e meio. Mudaram as leis de família e das sucessões no Código Civil. Mas fiz isso sem problema, dirigi equipas e não houve polémicas. Tive também de reestruturar o Ministério Público e a magistratura.”
E conclui: “Fui fundamentalmente um legislador, como político. A legislação é o registo da mudança.”