FMI quer mais reformas, consenso e salários mais baixos
Reduzir salários e facilitar despedimentos criaria empregos mais rapidamente, diz a 11.ª avaliação ao programa português.
No relatório da 11.ª avaliação ao programa português, publicado na segunda-feira, os responsáveis do FMI voltam a fazer da legislação laboral um entrave à retoma portuguesa, afirmando que “as ineficiências remanescentes no mercado de trabalho aumentam o risco de uma retoma com pouca criação de emprego, à medida que a economia ganha velocidade”.
O FMI explica depois o que entende por “ineficiências”. Em primeiro lugar, o relatório afirma que a redução de custos com o trabalho conseguidas pelas empresas se deveu mais ao desaparecimento de empregos provocado pela recessão do que a uma redução dos níveis salariais praticados. “As empresas ajustaram [os custos] através de menos horas trabalhadas e custos laborais não relacionados com o salário, mas a rigidez dos salários nominais manteve-se elevada”, afirma o Fundo, lembrando que, “embora a proporção de trabalhadores a beneficiarem de aumentos salariais tenha caído durante a crise, isto não foi acompanhado por uma subida substancial na proporção de trabalhadores com reduções dos salários”. O FMI repete a ideia de que mais flexibilidade nos salários “garantiria uma criação de emprego mais rápida no sector dos bens transaccionáveis”.
Salário mínimo ou emprego
Questionado na conferência de imprensa de apresentação do documento sobre a possibilidade de subida do salário mínimo, Subir Lall, chefe de missão do FMI em Portugal, disse que “é prematuro especular sobre o tema”. Salientou contudo que “é curioso que antes nos perguntavam se queríamos baixar o salário mínimo e agora nos perguntam sobre uma subida”. O técnico do FMI defendeu contudo que “não se pode falar de salários sem falar da criação de empregos”. “Estamos muito interessados em discutir políticas que criem empregos”, disse, mostrando muito pouco entusiasmo com a perspectiva de uma actualização do salário mínimo
Depois, o relatório vira-se para o que diz ser uma grande dificuldade em avançar para despedimentos individuais em Portugal. “Apesar das mudanças no Código do Trabalho feitas através da aplicação do programa, a protecção do emprego permanece elevada em comparação com outros países da OCDE”, lamenta o Fundo, que sustenta que “despedir trabalhadores individualmente é na prática difícil, embora tenha sido tornado mais fácil em termos legais”. O conselho do FMI sobre esta matéria é o de que o Governo “garanta que as reformas realizadas se traduzam em mudanças efectivas, através da identificação dos impedimentos remanescentes e resolvendo-os rapidamente”.
Subir Lall disse que “há uma diferença entre mudanças legislativas e a passagem à prática dessas mudanças”, salientando que “há muitas coisas que podem ser feitas” para alterar isto. Contudo, afirmou que “é importante que essas mudanças possam ser feitas ‘em casa’ e não impostas do exterior”.
Em relação a medidas concretas para o mercado de trabalho, o relatório centra-se apenas em duas áreas que têm estado presentes nas mais recentes avaliações. Primeiro, facilitar a expiração dos acordos colectivos de trabalho, para que este tipo de negociações esteja “mais condizente com a situação da economia”. O Fundo coloca mesmo a hipótese de estudar mecanismos de suspensão das convenções colectivas.
Depois, defende a redução do valor das indemnizações por despedimentos ilegais, afirmando que os 45 dias por ano de serviço actualmente em vigor são demasiado altos em comparação com os 12 dias por ano de serviço que se passaram a aplicar nos despedimentos legais. “Qualquer mudança nesta área deve garantir um equilíbrio entre o limite aos incentivos, para desafiar despedimentos legais em tribunal, e a penalização adequada dos despedimentos ilegais, particularmente no caso de discriminação”, afirma o relatório.
A necessidade de ir mais longe nas reformas no mercado de trabalho é defendida pelo FMI como uma forma de assegurar que os sinais de retoma que se sentem actualmente em Portugal são sustentáveis. O Fundo também insiste em reformas nos mercados de produtos, nomeadamente na redução dos custos com energia que são suportados pelas empresas.
Muitas destas questões serão temas a discutir durante a 12.ª e última avaliação da troika ao programa português, que irá começar hoje. Para além disso, o Governo compromete-se, na carta de intenções enviada aos responsáveis da troika e também tornada pública nesta segunda-feira a apresentar um plano de médio e longo prazo de reformas estruturais no final do actual programa de assistência financeira.
Riscos e consenso
Só com estas reformas, defende o relatório do FMI, se podem concretizar os sinais positivos dados ao nível do crescimento económico e do emprego, que conduziram à revisão em alta das previsões feitas para este ano e o próximo. O FMI diz mesmo ter ficado surpreendido com os resultados conseguidos e que diz serem devidos à recuperação do consumo, à manutenção de um crescimento forte das exportações e à melhoria mais recente do investimento. Os avanços na estratégia de regresso aos mercados também são elogiados.
No entanto, o Fundo continua a avisar que existem riscos. “A recente recuperação na procura interna permanece susceptível a mudanças no sentimento dos mercados e a qualquer nova incerteza nas políticas”, alerta o relatório, mostrando preocupação em relação aos efeitos de “novas tensões políticas” ou chumbos do Tribunal Constitucional.
É por isso que o Fundo avisa que, apesar dos resultados recentes positivos, “uma monitorização próxima da execução orçamental continua a ser crítica”. E embora se diga confiante devido ao histórico das autoridades portuguesas em encontrarem sempre medidas alternativas para corrigir o défice, o FMI pede, com o programa da troika e a legislatura a aproximarem-se do fim, um acordo mais vasto entre partidos. “Um consenso político alargado é essencial para ancorar os planos orçamentais de médio prazo de Portugal e resistir a quaisquer pressões futuras para aumentar a despesa ou reduzir os impostos para além dos envelopes orçamentais que foram assumidos como compromisso”, afirma o relatório.