Houve quatro mortos num tiroteio no Leste da Ucrânia, mas quem os matou?
Pró-russos dizem ter sido atacados por "fascistas" do Sector Direito. Kiev diz que a operação foi "encenada" pelos serviços secretos russos e Moscovo diz estar "indignada" com a falta de vontade ucraniana em desarmar extremistas”.
“Esta cidade foi cercada pelo Sector Direito”, o movimento nacionalista que agrupa várias formações de extrema-direita e que está representado no governo provisório ucraniano, acusou Viatcheslav Ponomarev, decretando um recolher obrigatório em Slaviansk a partir da meia-noite. “Estão a matar a nossa gente”, afirmou.
“Peço que estudem com a maior brevidade a possibilidade de enviar forças de manutenção da paz para defender a população contra os fascistas”, declarou, apelando a Moscovo. De caminho, Ponomarev pediu também comida e armas.
O Sector Direito – a quem Moscovo chama normalmente “fascistas” e “nazis” - nega envolvimento no tiroteio no posto de controlo erguido pelos rebeldes pró-russos na aldeia de Bilbasivka, a cerca de 18 quilómetros para ocidente de Slaviansk. “Chegaram quatro viaturas ao nosso check-point. Fomos controlá-las, e abriram fogo sobre nós, com armas automáticas”, disse à AFP Vladimir, um militante pró-russo de 20 anos, com a cara tapada por um passa-montanhas, que garantia ter testemunhado o ataque.
Como prova do envolvimento do Sector Direito, os pró-russos apresentaram um cartão do líder deste grupo, Dmitro Iarosh, que teria sido encontrado no local, junto a dois dos carros – que foram queimados após terem sido abandonados pelos atacantes.
Este grupo não suscita grandes simpatias, mas a história não parece particularmente convincente. “Os sabotadores armados que estão a semear o terror entre a população local em Slaviansk viraram-se para a provocação cínica”, disseram os serviços de segurança ucranianos (SBU), em comunicado citado pela Reuters, que descreve o incidente como “um ataque encenado”. “Só estavam presentes os sabotadores e figuras do crime, apoiados e armados por espiões e militares das forças especiais russas”, diz o comunicado.
Imediatamente surgiram na Internet paródias usando o cartão com imagens famosas: o cartão de Iarosh descoberto pelos astronautas americanos na Lua, entregue por Deus ao homem na célebre pintura de Miguel Angelo no tecto da Capela Sistina, nas mãos do agente especial do FBI Fox Mulder da série de televisão Ficheiros Secretos.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Moscovo não tardou a reagir. A Rússia está “indignada com esta provocação que testemunha a falta de boa vontade por porte das autoridades de Kiev em desarmar os nacionalistas e extremistas”.
Na quinta-feira, em Genebra, foi assinado um acordo entre as diplomacias dos Estados Unidos, União Europeia, Ucrânia e Moscovo que apelava ao desarmamento dos grupos armados. Se na Suíça os diplomatas diziam que o acordo se cingia ao que se estava a passar no Leste da Ucrânia, na sexta-feira a Rússia logo veio dizer que Kiev tinha “interpretado mal” o acordo, e este dizia respeito também ao desarmamento dos grupos da Praça da Independência de Kiev, nomeadamente o Sector Direito – que está representado no governo provisório ucraniano.
No terreno, no Leste da Ucrânia, os grupos armados que se apoderaram dos edifícios e órgãos de governo numa dezena de cidades apressaram-se também a dizer que não se sentiam obrigados pelo acordo assinado em Genebra – onde não estiveram representados – e que, portanto, não iriam retirar das suas posições.
O governo provisório ucraniano tinha declarado uma interrupção devido à Páscoa na “operação antiterrorista” para tentar desalojar os pró-russos armados que controlam estas cidades do Leste. Mas o ministro do Interior ucraniano, Arsen Avakov, deslocou-se ao Leste do país, e descreveu a zona em torno de Slaviansk como “o sítio mais perigoso da Ucrânia”.
“É suspeita a rapidez com que as televisões russas enviaram câmaras para a cena do tiroteio”, disse Avakov, citado pela Reuters, notando que foram os media do grupo dirigido por por Dmitri Kiseliov, um jornalista e comentador próximo de Vladimir Putin (que inclui a agência noticiosa RIA-Novosti, os canais de televisão Rossia e várias estações de rádio).