Moreira da Silva quer criar cluster português da mobilidade eléctrica
Ministro do Ambiente defende que Portugal tem condições para desenvolver um projecto industrial focado na exportação de energia e tecnologia, mas também na captação de investimento dos fabricantes mundiais.
O governante que tem a pasta do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia tem a ambição de ver Portugal como grande abastecedor de energias renováveis da Europa, mas quer também o país a dar cartas na mobilidade eléctrica.
Na semana passada, o Governo aprovou um diploma para dinamizar a utilização de veículos eléctricos em Portugal, pondo fim à fase piloto da actual rede de mobilidade eléctrica e abrindo-a à exploração comercial. Mas este é, segundo o ministro, apenas o primeiro passo de uma estratégia mais ampla, que visa criar no país um projecto industrial, capaz de criar emprego e gerar crescimento económico.
Esse foi o mote para um dia de visitas a várias empresas e entidades da cadeia de valor da mobilidade eléctrica - a Enercon, a Salvador Caetano, o CEiiA, a Efacec e o INESC TEC - onde o ministro deixou bem clara a mensagem: se Portugal já “é um campeão nas energias renováveis”, tem “recursos, talentos e infra-estruturas” para se constituir “como fornecedor e exportador de tecnologia” na mobilidade eléctrica, mas também como o mercado adequado para que os grandes players internacionais instalem aqui as suas unidades produtivas. O PÚBLICO acompanhou o ministro nesta viagem que se realizou de comboio até ao Porto (assim como o regresso) e, nas deslocações entre as empresas e centros de investigação, em veículos eléctricos.
“Quando outros países podem ter carros eléctricos movidos a carvão e a [energia] nuclear, Portugal tem carros movidos a sol, vento e água, e isso faz toda a diferença”, quer a nível ambiental, quer como cartão-de-visita do país como referência internacional no sector. E por considerar que a aposta na mobilidade eléctrica é “articulada com a aposta nas energias renováveis” e na redução da dependência dos combustíveis fósseis, a primeira paragem do ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia neste “roteiro para o crescimento da economia verde” foi a empresa do sector eólico Enercon, em Viana do Castelo.
Com uma capacidade instalada que em Março rondava os 2679 mega wats e, no âmbito do concurso público de 2008, 1200 mega wats de potência contratada, a empresa já canaliza entre 70% a 80% da sua produção industrial (aerogeradores, torres de betão, pás de rotor e mecatrónica) para exportação (em 2013, as vendas para o exterior cresceram 20% e atingiram os 245 milhões de euros). O grupo, que já investiu 120 milhões de euros, tinha, no final de Março, 1581 colaboradores, mas até final do ano prevê atingir um total de 1644 pessoas. Moreira da Silva gostava “que se replicasse na mobilidade eléctrica o que aconteceu na Enercon”, “que começou por fornecer o mercado nacional, mas orientou a sua produção para a exportação”.
Carregadores portugueses em 29 países
Na Efacec (Maia) as exportações ligadas à mobilidade eléctrica são já uma realidade e representam 1,4% das receitas do grupo. As vendas de carregadores (em 29 países) atingiram 10 milhões de euros em 2013 e a meta é chegar aos 200 milhões em 2020. Os principais mercados de exportação são os Estados Unidos e a Europa e, no dia da visita do ministro (11 de Abril), a Efacec, que forneceu os carregadores para a actual rede pública de mobilidade, tinha assinado um contrato para o fornecimento de uma rede de 60 carregadores rápidos para a Holanda e a Bélgica.
Como na investigação em mobilidade eléctrica, o INESC TEC (da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto) e o CEiiA - Centro para a Excelência e Inovação na Indústria Automóvel, na Maia, são duas referências incontornáveis, Jorge Moreira da Silva também passou por lá. No CEiiA, onde se situa o “cérebro” da actual rede de mobilidade eléctrica (o sistema Mobi.Me, que gere e monitoriza o funcionamento da rede e todos os consumos a ela associados), a convicção é que Portugal “dispõe de todas as condições tecnológicas e humanas para ver crescer o cluster da mobilidade eléctrica”, sendo já uma “referência mundial” neste domínio.
O centro está a desenvolver vários projectos de monitorização de redes de mobilidade eléctrica no Brasil e dois deles, em Curitiba e Brasília, decorrerão durante o campeonato mundial de futebol de 2014, assumindo-se como uma verdadeira montra para a tecnologia portuguesa em soluções que prevêem a partilha de automóveis e bicicletas eléctricos e a coordenação de uma rede de mini-autocarros eléctricos. Na parceria com a ITAIPU, líder mundial das energias renováveis, está ainda em cima da mesa a criação de um veículo eléctrico inteligente, partindo de um protótipo do CEiiA (o BE), com comercialização prevista entre 2016 e 2017.
No INESC TEC, que tem em curso vários projectos de investigação e parcerias com a indústria nacional (EDP, REN, Efacec) no âmbito das redes inteligentes (smart grids), o ministro visitou o laboratório de Redes Eléctricas Inteligentes e Veículos Eléctricos, onde se podem testar, em ambiente quase real, soluções de hardware e software avançado para gestão e controlo de redes eléctricas (um modelo que já foi exportado para Marrocos e captou interesse também no Brasil).
O roteiro não ficaria completo sem uma visita à única empresa portuguesa que produz autocarros 100% eléctricos, com zero emissões poluentes, a CaetanoBus, que já investiu três milhões de euros no desenvolvimento de soluções de mobilidade elétrica. Além do Caetano 2500 EL (com duas unidades vendidas ao município alemão de Wiesbaden), o modelo E.Cobus, mais recente, foi desenvolvido em parceria com a Siemens e pensado exclusivamente para a utilização em aeroportos. O projecto surgiu do “enorme potencial da frota de COBUS existente”, que contabiliza cerca de 3000 unidades em circulação em aeroportos internacionais. É que embora seja possível fabricar um E.Cobus de raiz, totalmente eléctrico, a aposta na reconversão de um veículo diesel num veículo com novo design e tração eléctrica permite estender o ciclo de vida de um autocarro em mais 12 anos.
A CaetanoBus está já em concurso para fornecer seis unidades a um aeroporto alemão. O objectivo é que os veículos eléctricos representem em 2015 cerca de 10% do volume de facturação.
Estímulos fiscais na calha
O diploma aprovado pelo Governo na semana passada abre à concorrência a comercialização de electricidade para a rede de carregamento e a exploração dos pontos de carregamento. O objectivo é estimular o aparecimento de ofertas comerciais competitivas (novos fornecedores de carregadores, novos operadores de carregamento, como os centros comerciais e outras empresas proprietárias de espaços de acesso público, e liberdade para que todas os comercializadores de electricidade possam construir tarifários específicos para este segmento), mas também simplificar as regras para que os utilizadores possam alimentar os seus veículos com mais comodidade em casa, nos locais de trabalho ou espaços públicos da sua conveniência.
O “modelo de negócio fica em aberto” para as empresas que se quiserem constituir como operadores e criar as suas próprias redes de abastecimento. O ministro reconhece, porém, que a liberalização da rede de carregamento dos carros eléctricos (ou híbridos) é, só por si, insuficiente para fomentar a procura destes veículos. O preço, superior em cerca de 30% a um carro convencional, continua a ser um factor dissuasor, mas este é um aspecto que Moreira da Silva espera que seja mitigado com medidas de estímulo no âmbito da reforma da fiscalidade verde com apresentação prevista para Setembro.
Serão medidas que o ministro espera que “incentivem a mudança de comportamentos”, premiando os contribuintes com opções mais amigas do ambiente. Mas “a administração pública também vai dar o exemplo”, garantiu. Sem querer adiantar quantidades ou modelos, o ministro adiantou que uma parte da frota da Administração Pública (mais de 17 mil veículos, excluindo os serviços de segurança e defesa) será substituída por veículos eléctricos. Com medidas para estimular a procura de carros eléctricos e as “políticas públicas a darem o exemplo”, Portugal estará em condições de se apresentar perante a indústria como “um laboratório vivo e um mercado que oferece condições para instalar unidades produtivas”, sublinhou o ministro.