6% dos processos por corrupção acabam em condenações e 1% em absolvição

Mais de metade dos processos acabam arquivados. Números divulgados pelo Conselho de Prevenção da Corrupção dependem da comunicação dos tribunais, que muitas vezes não informam o organismo

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A administração local é de longe a área com maior número de processos Enric Vives-Rubio

Por isso mesmo o presidente da associação Transparência e Integridade, Luís de Sousa, alerta para a fragilidade dos números e para a impossibilidade de fazer leituras sobre eles. A administração local é a área que apresenta “invariavelmente” maior expressão entre as entidades envolvidas nos processos, com 40% do total dos casos.

Num universo de 544 casos reportados em mais de cinco anos, 55,5% acabaram arquivados e 168 resultaram em acusação. Isso significa uma taxa de acusação de 31%, bastante superior à taxa dos inquéritos-crime em geral (em 2012 foi de 10%). Mas destes, o CPC só conhece o desfecho de 37, ou seja, menos de um quarto. As 33 condenações superam em muito as quatro absolvições reportadas, mas mesmo assim significam, respectivamente, apenas 6% e 1% do total de casos.

Apesar das limitações dos números, estes estão em linha com a taxa de acusação (29%) registada em 393 inquéritos na área da criminalidade económico-financeira cuja evolução tem sido monitorizada pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa desde Março de 2008, no âmbito do projecto ECOLAB. Segundo dados divulgados há dias, também aqui as condenações são mais frequentes que as absolvições. Dos 114 processos em que houve acusação, 45 terminaram em condenação e 14 em absolvição. Nove terminaram por outros motivos, como a prescrição ou a morte do visado, e 46 ainda estão pendentes.

A procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca Van Dunem, admite que o facto de haver mais condenações que absolvições nos processos que seguem para julgamento decorre da avaliação prévia feita nos casos. “Só avançamos para a acusação quando a probabilidade de condenação é muito superior à de absolvição”, afirma Van Dunem, lembrando que as estatísticas não têm em conta a gravidade dos casos. “Os números incluem processos simples como uma funcionária de uma escola com acesso à cantina que leva farinha para casa e casos como o BCP ou o BPP”, reconhece, sublinhando que a percepção da opinião pública sobre o funcionamento da Justiça no combate à corrupção resulta muito dos casos mediáticos.

Mesmo assim, a procuradora-geral distrital enfatiza que na última década a “capacidade de esclarecimento do Ministério Público deu um salto brutal”. E exemplifica: “Inquéritos como o BPN, o BCP e o BPP duraram um ano e meio ou dois anos a investigar, quando há uma década demorariam dez ou mais anos”. Francisca Van Dunem realça, contudo, que muitas vezes os percalços destes processos durante a instrução ou o julgamento fazem as pessoas esquecer a rapidez das investigações.

Luís de Sousa reconhece que há bons profissionais na Justiça e um saber acumulado em alguns serviços, como o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, que tem permitido um trabalho consistente na luta contra a corrupção nos últimos anos. Mesmo assim sustenta que há muito a melhorar, começando pelo tratamento estatístico dos processos que chegam à Justiça. Luís de Sousa recusa-se a comentar os dados do CPC, considerando que os mesmos “não são fidedignos” e lamentando que haja uma multiplicidade de entidades com números relativos à criminalidade económico-financeira e estes não sejam coincidentes.

O presidente do CPC, Guilherme d'Oliveira Martins, reconhece as limitações dos dados, mas acredita que as situações comunicadas permitem extrair algumas conclusões com utilidade para a prevenção da corrupção. “Com base nestas situações o CPC aprovou recentemente uma recomendação relativamente aos centros de exame e de inspecção automóvel, além de ter reforçado o acompanhamento dos planos de prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas”, exemplifica Oliveira Martins. O presidente do CPC realça que desde a criação do organismo tem sido desenvolvido diligências para que o sistema de comunicação seja “efectivo e eficaz”, alertando-se periodicamente as entidades em causa para a necessidade de prestação dessa informação. Admite que o conselho não tem procurado saber o desfecho de casos que lhe foram reportados numa fase inicial e argumenta: “De acordo com a Lei do CPC há um dever de informação [das autoridades judiciais], verificando-se que se têm registado progressos no tocante a tais comunicações”.

O relatório considera que as áreas da administração local, da segurança, da justiça e da mobilidade e transportes, “muito provavelmente pela natureza das funções que desenvolvem, nomeadamente pelo estreito contacto com o utente, associado ao poder discricionário conferido aos funcionários, parecem ser as que se encontram mais expostas a riscos de ocorrência deste tipo de crimes”.

A existência, “ainda que em número reduzido”, de “práticas inadequadas dos utentes dos serviços públicos” poderá levar à necessidade de se desenvolverem projectos que “permitam uma consolidação dos valores da ética e da cidadania e a recusa de soluções que compreendam práticas de corrupção”, lê-se no relatório.

Corrupção e peculato dominam
No que toca às comunicações recebidas, os dados mostram que a grande maioria (80%) correspondem a decisões relativas a procedimentos criminais — mais do que relatórios de auditoria. Há “sinais” que “podem traduzir uma tendência para o aumento anual do número de comunicações, sobretudo das que se referem a procedimentos criminais”, lê-se.

Neste particular, os principais crimes associados às decisões judiciais reportadas têm sido “invariavelmente” a corrupção (46,5% dos processos) e o peculato (25,4%). Os outros tipos de crime no exercício de funções públicas (como a participação económica em negócio e o tráfico de influências) surgem como crime principal em pouco mais de um quarto (28,1%) do total.

O relatório sustenta que “as acções delituosas” praticadas pelos funcionários “traduzem ou podem traduzir ineficiências, desajustamentos, incorrecções ou falhas nos mecanismos de controlo”, ao nível do funcionamento e gestão interna dos serviços (para os crimes de peculato) ou estendendo-se ao relacionamento dos serviços com o cidadão (para os crimes de corrupção), “não sendo raro” que, num mesmo procedimento, haja crimes das duas famílias.

O documento considera que, sobretudo em relação aos crimes de corrupção, “talvez importe considerar a possibilidade” de serem desenvolvidos projectos que complementem os Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e que fomentem “um maior envolvimento dos cidadãos relativamente às questões da cidadania, designadamente de rejeição” de práticas de corrupção.

O relatório pondera também a possibilidade de projectos para melhorar a “qualidade dos serviços públicos”, através da realização de pequenos questionários ou inquéritos de opinião, de carácter anónimo, a lançar pelos serviços junto dos utentes, no sentido de “detectarem deficiências no serviço prestado” e de se “identificarem zonas de risco na relação serviço/utente”.

Mais de mil entidades com planos anticorrupção
Em Julho de 2009, o CPC recomendou aos órgãos dirigentes máximos das entidades gestoras de dinheiros, valores ou património públicos a elaboração de Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas, para identificar os riscos das funções que desenvolvem e as medidas de controlo a adoptar. Até ao final de 2013 mais de mil entidades tinham entregado ao CPC planos deste tipo.

 “Importa acrescentar que as entidades públicas ou de natureza pública de maior dimensão na gestão de recursos contam-se entre as que produziram, adoptaram e têm vindo a acompanhar a execução de documentos desta natureza”, lê-se no relatório. O CPC tem também realizado mensalmente “visitas pedagógicas” junto das entidades públicas ou de natureza pública para “constatar in loco a aplicação dos planos” e para avaliar as dificuldades na produção e na adopção das medidas preventivas.

Relativamente ao acompanhamento dos planos, “sugere-se a eventual reflexão quanto à possibilidade” de ser produzido, através do sítio do CPC, um questionário online para aferir eventuais dificuldades sentidas pelas entidades na produção e adopção dos planos, sobretudo em entidades fora dos grandes centros urbanos, sediadas um pouco por todo o território nacional, onde as “visitas pedagógicas não têm chegado”.

Outra sugestão prende-se com o desenvolvimento de projectos que procurem “induzir no cidadão um envolvimento maior nas questões da ética e cidadania, e que se traduzam tanto na rejeição” de práticas de corrupção, como na denúncia das mesmas. Estes projectos podem passar pela criação de espaços de reflexão presencial, através da realização de seminários, conferências ou workshops ou através das redes sociais.

Sugere-se ainda o desenvolvimento de projectos para melhorar a qualidade dos serviços públicos, “através da aferição do grau de satisfação dos serviços prestados”. Considera-se que tal permitirá detectar “deficiências no funcionamento dos serviços” e “eventuais zonas de risco” nas relações com os utentes.

O CPC foi criado em 2008 para desenvolver uma actividade de âmbito nacional “exclusivamente orientada para a prevenção da corrupção e infracções conexas”. Tem competências para recolher e organizar informações relativas à prevenção da corrupção activa ou passiva e criminalidade praticada no exercício de funções na administração pública ou no sector empresarial do Estado, bem como para acompanhar a aplicação e a eficácia dos instrumentos jurídicos e medidas administrativas de prevenção e combate daquelas práticas.

A lei determina que, “sem prejuízo do segredo de justiça”, sejam remetidas ao CPC cópias de todas as participações ou denúncias por corrupção, decisões de arquivamento, de acusação, de pronúncia ou de não pronúncia, sentenças absolutórias ou condenatórias, bem como cópias dos relatórios de auditoria ou inquérito dos órgãos de controlo interno ou inspecção da administração pública central, regional ou local, ou relativos ao sector público empresarial.

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