Descobertos documentos de naturalista português que trocou cartas com Darwin
Desenhos, cartas e textos do açoriano Francisco Arruda Furtado foram descobertos numa gaveta do Museu de História Natural em Lisboa.
É uma descoberta "sem precedentes o conjunto fabuloso de desenhos e manuscritos" de Francisco de Arruda Furtado, afirmou à Lusa Marta Lourenço, coordenadora da equipa de investigadores que analisa o espólio encontrado.
A obra documental, que cruza áreas diversas, desde História, Malacologia (ramo da Biologia que estuda moluscos) e Antropologia, estava fechada à chave numa gaveta da biblioteca, na sala do Conselho Escolar, onde durante quatro séculos de existência do museu sempre se reuniram os professores da antiga Escola Politécnica portuguesa, pertencente à Universidade de Lisboa.
Francisco Arruda Furtado, tido como um dos maiores naturalistas portugueses de todos os tempos, trabalhou cerca de três anos no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, a partir de 1884, antes de morrer, aos 33 anos, em Junho de 1887, deixando uma extensa produção científica.
A equipa de investigadores que está a analisar os documentos agora descobertos ignora a data em que o material entrou no museu, mas pensa que o material já lá estava antes do incêndio que atingiu o edifício em 1978.
Há anos, o museu descobriu correspondência entre Arruda e Charles Darwin, o naturalista britânico autor da teoria da evolução das espécies através da selecção natural.
Para analisar o espólio, o museu criou uma equipa multidisciplinar, composta por um historiador, conservadores, restauradores, arquivistas, ilustrador científico e especialistas ligados à parte digital, por considerar que a descoberta "é mais do que um conjunto de desenhos", aliás, são "conjuntos coerentes de desenhos com documentação", referiu Marta Lourenço.
"Isso no conjunto é uma mina para a História. Apesar de esta casa ter tido muita gente famosa, não sei se temos mais algum espólio pessoal como este pertencendo a um biólogo com esta vida tão singular", afirmou Marta Lourenço.
"Temos muitos textos inéditos. Por exemplo, tenho um que é ´Teorias e Práticas da Biologia para os liceus de Arruda Furtado’", disse, por outro lado, Alda Namora, arquivista do Museu, que apontou a obra nunca publicada como eventual "contributo aos alunos portugueses daquilo que se ensinava lá fora, a nível de ciências da Biologia".
Há também uma cópia de uma carta que José Vicente Barbosa du Bocage, então político português e curador de zoologia do Museu de História Natural de Lisboa, "enviou para o Ministério do Reino a pedir a colocação dele (Arruda Furtado) aqui no Museu", e um peixe desenhado ao contrário – da direita para a esquerda –, que "demonstra que Arruda teve uma formação de desenho", assinalou Alda Namora.
A pasta foi descoberta por Vítor Gens, arquivista, num lugar onde "era pouco provável que houvesse manuscritos", refere Vítor Gens, que acredita que os documentos tenham sido guardados durante uma reunião.
Do ponto de vista histórico, as descobertas vão "valorizar um cientista bastante importante no seu tempo e na própria história da ciência portuguesa, sobretudo da história da história natural portuguesa. Ele acaba por ser pioneiro em termos de estudos de antropologia Física, da própria Defesa, na Didáctica da teoria da evolução", disse David Felismino, historiador da ciência, que integra o projecto.
"Não deixa de ser, até num aspecto mais pessoal, uma pessoa admirável. Como é que aos 33 anos tem esta produção científica, quer a publicada, quer a não publicada", disse o académico.
Os inéditos de Francisco Arruda Furtado vão ser exibidos ao público em Portugal a partir Setembro e, posteriormente, ao mundo, através de um portal, quando a equipa finalizar o processo de catalogação dos documentos, parte da tarefa do projecto que está a ser financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, disse Marta Lourenço.
Mas, já em Maio, o poeta português João Miguel Fernandes Jorge vai apresentar 30 desenhos inéditos de Arruda Furado numa exposição a decorrer no Museu Carlos Machado, nos Açores.