Há promessas para negociar mas até no Parlamento de Kiev houve violência

Oligarca de Donetsk oferece-se para mediar diálogo entre separatistas e o Governo de Kiev. Rússia está disponível para reuniões multilaterais.

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Activistas pró-russos reforçam as barricadas em Donetsk ALEXANDER KHUDOTEPLY/AFP
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Ataque de ?um deputado de extrema-?-direita a um comunista deu lugar a um combate entre as duas facções FVALENTYN OGIRENKO/REUTERS
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O primeiro-ministro acusa a Rússia Andrew Kravchenko/REUTERS
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Homens armados, das forças de Kiev, guardam um edifício em Kharkov Olga Ivashchenko/Reuters
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Uma barricada em frente de um edifício em Kharkov ANATOLIY STEPANOV/AFP

As escaramuças na Ucrânia são um sintoma do ambiente irrespirável no país e reflectem a raiva e frustração de Kiev com os acontecimentos em curso na cintura industrial do Leste. Em pleno debate, uma intervenção do deputado comunista Petro Simonenko sobre os activistas instrumentalizados pela Rússia foi interrompida à força por um eleito do partido nacionalista de extrema-direita Svoboda, que voou da bancada para atingir o orador no púlpito ao murro e pontapé e iniciar um combate entre as duas facções.

Simonenko comparava a postura dos manifestantes de Donetsk com a dos revolucionários da praça Maidan, que também ocuparam edifícios governamentais para forçar a demissão do Presidente Viktor Ianukovich. “Hoje vocês continuam a fazer tudo para intimidar as pessoas que têm um ponto de vista diferente do vosso”, censurou, antes de ser agredido e de a confusão se instalar no hemiciclo. Os comunistas, que durante a revolução de Kiev ficaram ao lado do partido das regiões de Ianukovich, abstiveram-se de votar um projecto de lei do Governo para criminalizar indivíduos ou organizações que promovam o separatismo (e foi aprovado com 230 votos a favor).

Com os nervos em franja e a tensão em constante escalada, a Ucrânia vive em risco permanente de desintegração. Esse é o objectivo da Rússia, acusam os dirigentes interinos do país – Presidente, primeiro-ministro, diplomatas, chefes militares – que acusam o Kremlin de estar por detrás das manobras dos separatistas. Os aliados ocidentais alinham pelo mesmo diapasão: o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse esta terça-feira a um painel do Senado que forças especiais russas terão sido os agentes “catalisadores do caos das últimas 24 horas”, num “esforço ilegal e ilegítimo para desestabilizar a Ucrânia” com o objectivo de “criar um pretexto para uma intervenção militar como a que se verificou na Crimeia”.

No mesmo tom, o secretário-geral da NATO, Anders Fogh Rasmussen, manifestou extrema preocupação com a presença militar russa junto à fronteira da Ucrânia, e apelou à retirada das “dezenas de milhares de soldados”, ao respeito pelos compromissos internacionais e ao início de um processo de diálogo que ponha fim à escalada. “Uma nova intervenção da Rússia [em território ucraniano] seria um erro histórico, que teria graves consequências em termos do nosso relacionamento e apenas contribuiria para um maior isolamento internacional [do Governo de Moscovo]”, referiu.

Na resposta, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, disse que os “agitadores” estavam a ser mobilizados pelo Governo ucraniano, que teria infiltrado militantes nacionalistas do grupo “Sector de Direita”, bem como mercenários americanos contratados à empresa Greystone, nas unidades militares destacadas para a zona da fronteira. A companhia de defesa norte-americana (antes conhecida como Blackwater) não comentou as declarações de Lavrov, mas no mês passado, quando essas alegações surgiram na imprensa russa, emitiu um comunicado garantindo não ter quaisquer activos destacados na Ucrânia.

Em Kharkov, as forças do ministério do Interior expulsaram os activistas instalados no edifício do governo regional desde segunda-feira e recuperaram o controlo da situação de segurança durante a noite. Pelo menos 70 indivíduos armados foram detidos numa acção-relâmpago, descrita pelo ministro Arsen Avakov como uma operação anti-terrorismo dramática e intensa, que terminou sem que fosse disparada “uma única bala, granada ou qualquer outra arma especial”. “A equipa do ministério do Interior protege e preserva a integridade e a independência da Ucrânia”, congratulou-se o ministro, numa mensagem no Twitter.

Mas em Lugansk e em Donetsk o Exército ucraniano ainda não conseguiu dominar os rebeldes separatistas russófilos que se mantêm barricados nos edifícios administrativos regionais – e cujo nível de apoio entre a população permanece uma incógnita. Apesar de haver um largo número de falantes russos, e uma grande dependência comercial do país vizinho, a região é etnicamente ucraniana.

Os activistas que tomaram o quartel-general da polícia de Lugansk desmentiram informações avançadas pelas autoridades de que o edifício teria sido armadilhado e havia dezenas de reféns. “A unidade anti-terrorismo dos serviços de segurança da Ucrânia [SBU] constatou que os criminosos minaram o edifício e mantêm 60 reféns sob ameaça de armas e explosivos”, dizia um comunicado. Em declarações à Reuters, um homem que se identificou como Anton e reclamou ser o coordenador da acção pró-russa de Lugansk desmentiu as acusações. “Não há explosivos nem reféns, não precisamos de nada disso para obter o que pretendemos”, observou.

A antiga primeira-ministra e actual candidata presidencial, Iulia Timochenko, viajou para o local um dia depois da proclamação da “república popular de Donetsk” e do anúncio de um referendo sobre a auto-determinação e eventual federalização na Rússia. “Tenho a impressão que toda esta agressão é uma bolha isolada que não tem nada a ver com a vida quotidiana em Donetsk. Não me parece que tenha qualquer correspondência com as opiniões e as aspirações da população local”, declarou numa conferência de imprensa, em que se mostrou favorável ao fortalecimento das autonomias regionais, nomeadamente através da transferência de competências financeiras de Kiev.

Essa foi também a “solução” proposta pelo multimilionário Rinat Akhmetov, que domina os sectores do aço, electricidade e minas da Ucrânia e é natural de Donetsk. O oligarca, que se disponibilizou para mediar o diálogo entre as forças separatistas e o Governo de Kiev, só vê duas saídas possíveis para o actual impasse: uma via negocial, que estabeleça as condições para uma “devolução” de poderes centralizados para as regiões, ou um confronto armado que inevitavelmente arrastará a Ucrânia para a guerra civil.

Segundo o Financial Times, Akhmetov não apoia as ideias separatistas ou de reunificação na Rússia – “Para mim, Donetsk faz parte da Ucrânia e não há discussão” – mas está solidário com as preocupações da população russófila que teme a retaliação das autoridades de Kiev. “Eu estou convosco e estou pronto para fazer tudo o que for preciso; quem está disposto a vir [negociar com as autoridades] comigo?”, perguntou o oligarca, de acordo com o diário britânico.

O chefe da diplomacia russa também se mostrou disponível para negociar com os parceiros americanos, europeus e ucranianos. Segundo a agência russa Ria Novosti, o ministro aceitou a sugestão do seu homólogo norte-americano John Kerry de negociações multilaterais para mitigar a tensão e encontrar uma solução para a crise. “Estamos dispostos a considerar um formato multilateral, mas precisamos de perceber melhor qual seria o formato e a agenda do encontro”, disse Lavrov em Moscovo.

No entanto, o governante russo exigiu a presença de representantes do Sul e do Leste da Ucrânia nas reuniões – a Rússia continua a alegar que a instabilidade na zona da fronteira tem a ver com a “falta de respeito” de Kiev pelos direitos da população russófila. Segundo Lavrov, os habitantes de Donetsk entendem os sinais do Governo de Kiev como uma prova de que os seus “interesses legítimos” continuarão a ser ignorados.

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