Imobiliárias esperam que imigração "dourada" renda mil milhões este ano

Previsão das mediadoras portuguesas baseia-se sobretudo no mercado da China, cujos cidadãos não podem ter dupla nacionalidade. Novo regime de vistos gerou um novo negócio.

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No Chiado, junto ao café “A Brasileira”, vende-se casas de luxo, em chinês Daniel Rocha

O investimento mínimo de 500 mil euros num imóvel é um dos requisitos quantitativos para a obtenção do chamado visto gold ou golden visa, a autorização de residência para actividade de investimento lançada no ano passado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. A par da obrigatoriedade de ter um registo criminal limpo, a formalização do investimento e depois permanecer em Portugal alguns dias por ano são as exigências mínimas para a manutenção de um cartão que dá a um cidadão de fora da União Europeia a possibilidade de se mover livremente nos 26 países do espaço Schengen.

A visão de Portugal – assim como da Grécia ou de Chipre, que também lançaram programas do género – como porta aberta para a Europa tem feito aumentar o interesse pelo programa lançado no ano passado e que já atribuiu 787 autorizações até agora. O programa tem sido um pequeno balão de oxigénio para o sector imobiliário do segmento médio-alto e de luxo. Nuno Durão, sócio gerente da IRGLux, uma imobiliária afiliada do grupo internacional Fine&Country, dedicado ao segmento de luxo, tem trabalhado essencialmente com clientes chineses nos últimos meses, apesar de ter boas expectativas para os mercados africano e do Médio Oriente para os próximos meses. Na montra preta, em pleno Chiado, com informações em inglês e em caracteres chineses, há fotos de casas enormes, em locais paradisíacos, que prendem o olhar.

Se nos primeiros meses do programa o investimento no imobiliário captou quase todos os 472 milhões de euros investidos até agora, segundo os números oficiais, a expectativa dos operadores é que em 2014 a fatia do mercado dos vistos gold chegue aos mil milhões de euros, afirma Nuno Durão. A maior fatia vem da China.

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O empresário admite que a única intenção dos clientes chineses é “obterem o visto para poderem circular na Europa” – alguns nunca tinham ouvido falar de Portugal. Apesar de não estarem interessados em ficar em Portugal isso não significa que não queiram tornar o investimento obrigatório em algo rentável.

Por isso os agentes imobiliários preferem olhar para além da simples compra do imóvel. Como o proprietário, por regra, não irá ocupar a casa durante praticamente todo o ano, ela pode ser rentabilizada através do aluguer, tanto de longa duração como de curta, para férias, sobretudo também de estrangeiros. É todo um sistema de rentabilização contínua que pode ser montado em torno do negócio, salienta Nuno Durão. Há chineses que estão interessados em comprar restaurantes, hotéis, quintas no Douro ou no Alentejo para produzir vinho ou cogumelos – e a actual crise económica facilita os bons negócios para quem quer investir. O gerente da IRGLux salienta ainda o valor acrescentado para a economia da presença de cidadãos chineses, como na restauração, hotelaria, lojas de luxo.

“Os clientes para o visto gold gostam de ver o que estão a comprar, preferem casas acabadas e normalmente já mobiladas”, sejam a estrear, sejam palacetes recuperados. Os eixos mais procurados são os de Lisboa, Cascais, Sintra, Tróia, Algarve, Porto e Douro. O negócio da reabilitação é outro que pode ganhar com o processo, realça Nuno Durão, que tem clientes que querem “casas com alma e história”. Normalmente vêm a Portugal durante três ou quatro dias, visitam os imóveis, decidem o que querem e iniciam o processo burocrático com os escritórios de advogados.

Processo em triângulo
A IRGLux era uma empresa com uma facturação que rondava os 10 a 15 milhões de euros. Em 2013, quando apostou no mercado dos visto gold, facturou 60 milhões e este ano conta duplicar esse valor. Dois terços dos seus clientes que se candidatam ao visto gold são chineses. “São grandes empresários, pessoas com muito dinheiro, sobretudo das áreas da construção e da indústria.” A larga maioria chega-lhe através das sub-agências de emigração com que o departamento de emigração da China trabalha e que estão espalhadas pelo mundo. Em Portugal, nos últimos meses terão sido constituídas quase duas dezenas de empresas para trabalhar para essas agências.

O processo dos vistos gold é assegurado por uma espécie de triângulo de contactos: agências de emigração na China e as empresas que subcontratam para acompanharem os interessados em Portugal; imobiliárias; e escritórios de advogados que asseguram a parte burocrática e documental. Estes últimos, depois das notícias envolvendo processos judiciais a cidadãos com vistos gold, não querem falar sobre o assunto.

A CBIEC é uma dessas sub-agências, uma multinacional com uma filial localizada no edifício do Tivoli, em plena Avenida da Liberdade. A subsidiária foi registada em Outubro do ano passado e tem como único proprietário Lian Zhenwen, com residência em Shenzhen, na China, que é citado em notícias internacionais como estando ligado aos serviços de emigração do Governo. Na CBIEC trabalham dez pessoas – alguns são portugueses que falam chinês -, todas com menos de 30 anos, descreve ao PÚBLICO o gerente, Alistair Kong, que recebem uma média de 20 clientes novos por mês. Já ajudaram na obtenção de uma centena de vistos gold e o processo demora entre poucas semanas e três meses.

Sobre as verdadeiras intenções dos seus compatriotas em relação aos vistos gold, Kong coloca como prioridade a “mobilidade na Europa” mas também as vantagens indirectas do facto de um chinês poder apresentar um documento europeu. “Em quase todo o mundo, é muito difícil viajar com um passaporte da China. Talvez com a excepção de África”, diz o gerente da CBIEC referindo-se ao facto de o pequeno cartão ajudar a facilitar a obtenção de outros vistos para viajar para a América. Ou seja, o gold visa, do tamanho do cartão de cidadão português, é visto como um espécie de passaporte não só para a Europa (directo) mas para o resto do mundo (indirectamente).

 Dupla nacionalidade não será um desejo
O receio de que uma das intenções futuras seja a da aquisição de nacionalidade portuguesa não faz sentido para Alistair Kong. “A China não permite que os seus cidadãos tenham dupla nacionalidade. Não me parece que um chinês aceite” renunciar à sua cidadania original, justifica o gerente da CBIEC. A lei chinesa da nacionalidade estipula que um cidadão chinês que fixe residência no estrangeiro e requeira ou adquira nacionalidade estrangeira perde automaticamente a nacionalidade chinesa.

Sobre os recentes problemas com cidadãos chineses com vistos gold acusados por burla na China, Kong enumera as condições do registo criminal limpo e das transferências de dinheiro entre bancos registados para assegurar que se trata de divisas limpas. Mas admite, porém, que não há, da parte das autoridades portuguesas, exigências de prova da actividade profissional do cidadão a quem se confere o visto gold.

Sem querer entrar em pormenores sobre o custo das suas comissões, Alistair Kong diz que somando as taxas devidas ao SEF, aos encargos com os advogados, comissão à imobiliária e à agência de imigração, um processo para visto com um imóvel de 500 mil euros custará pelo menos 600 mil euros.

Portugal é uma aposta da CBIEC para os próximos tempos. Alistair Kong salienta as vantagens de ser um programa novo, com condições atractivas por comparação com Espanha, Grécia ou Chipre. E lembra que outros países ou estão a restringir o acesso, como Chipre, ou a fechá-lo, como aconteceu recentemente com o Canadá. Diz mesmo que haverá maior procura em Portugal este ano precisamente por causa do fim do programa canadiano, onde havia dezenas de milhares de candidatos chineses.

Um artigo recente da China Globe Newswire sobre os programas de países europeus para atrair imigrantes referia as vantagens do português, apesar de exigir um investimento mais alto do que a Grécia. O tempo de permanência exigido em Portugal, entre os sete dias no primeiro ano e os 14 por cada dois anos subsequentes “não afecta a vida do investidor na sua pátria [China]”. Sobre a vantagem de os programas permitirem o reagrupamento familiar e admitirem que os filhos estudem na Europa, referia-se especificamente o facto de em Portugal o ensino primário e secundário serem gratuitos e de o sistema de ensino universitário ser bem reconhecido por outras instituições universitárias no Reino Unido e nos EUA. A par, claro, de serem “destinos turísticos conhecidos mundialmente, com belas paisagens naturais, uma costa paradisíaca”, onde cidadãos ricos podem ter “alta qualidade de vida”.

Também em pleno Chiado, no largo Rafael Bordalo Pinheiro, a empresa Libertas abre uma nova loja da rede Casa em Portugal. O mercado do visto gold é muito atractivo e está em franca expansão, mas Luísa Tavares, directora de marketing, realça que Portugal está também a ser alvo de grande procura por europeus que querem beneficiar do regime de fiscalidade para não residentes habituais, e que estão dispostos a investir mais do que os limites mínimos fixados para os vistos gold.

A empresa contratou recentemente um vendedor chinês para trabalhar o mercado do visto gold com o Oriente e diz que tem também procura de clientes russos – a Primavera e o Verão são as melhores épocas, salienta. Na zona de Lisboa, “os chineses têm muita apetência pela zona da Expo por lhes fazer lembrar Xangai”, e procuram zonas de frente rio ou mar, com boas vistas.

“Claramente não há grande simpatia dos nossos parceiros europeus pelo que estamos a fazer”, realça Luísa Tavares que participou, via Skype, há semanas numa mesa redonda da BBC em Estrasburgo, e recorda as fortes críticas de alguns eurodeputados do centro e do norte da Europa aos “programas de vistos em troca de casas de Portugal e Espanha”. E vinca: “É uma atitude sem sentido. Não se está a dar cidadania, que é um processo bem mais complexo, e nem sequer é líquido que a venham a requerer.”

Os argumentos da procura de um ambiente limpo e da segurança alimentar também são apresentados pela responsável da Casa em Portugal, a que junta a insegurança nos países de origem. “De um modo geral, têm incertezas sobre o seu futuro, ou o dos seus filhos, no seu país, por razões diversas”, diz Luísa Tavares. “Estão a comprar alguma tranquilidade de espírito para o futuro; um livre-trânsito que possam usar para resolver uma situação complicada que surja no seu país. Hoje têm negócios de sucesso no seu país de origem que não vão abandonar a curto ou médio prazo, mas querem usufruir da vantagem de se poderem deslocar no espaço Schengen com alguma facilidade.” No caso chinês, acrescenta, esta é também uma forma de conseguirem sair do país com mais facilidade, já que as viagens dos cidadãos são controladas pelo Estado. Com Margarida Gomes

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