Hospitais privados já fazem mais de um quarto das consultas e 12% das urgências
Numa década, os hospitais públicos perderam 3 mil camas, enquanto os privados passaram a dispor de mais 1400. Privados já asseguram mais de um quarto das consultas externas e quase 12% das urgências a nível nacional
Enquanto o número de hospitais privados passou de 94 para 104, nesta década, o dos hospitais tutelados pelo Estado, na designação do INE (que inclui os 103 de acesso universal e sete militares e prisionais), manteve-se relativamente estável. O crescimento do sector privado ficou a dever-se sobretudo à abertura de unidades de grande dimensão, pertencentes a importantes grupos económicos.
Ao longo desta década, as consultas externas dispararam, tantos nos hospitais públicos como nos privados. Mas o aumento foi mais acentuado no sector privado, que, em 2010, fez mais de 4,5 milhões de consultas, enquanto os hospitais do Serviço Nacional de Saúde realizaram cerca de 12 milhões.
Nas urgências, o número de atendimentos manteve-se relativamente estável no sector público até 2010, e depois diminuiu 4,8% em 2011 e 2012, enquanto nos privados praticamente duplicou neste período (passou de 460 mil em 2002 para mais de 800 mil, em 2012). Também as grandes e médias cirurgias diminuíram em 2011 e 2012, depois de terem crescido até 2010, assinala o INE.
“Muito satisfeito” com estes dados, o presidente da Associação de Hospitalização Privada, Artur Osório, acredita que são uma prova de que o sector privado “se afirmou como uma alternativa” ao público, deixando de se identificar com “aquelas casas de saúde que eram só para os ricos”.
Já Marta Temido, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, encara este boom do sector privado com alguma “preocupação”. Pode, especula, "estar a crescer para ocupar o espaço a que o serviço público não consegue dar resposta”.
Quebra abrupta nas análises e exames
O dado mais surpreendente revelado neste retrato do INE é, aliás, o da quebra abrupta no número de análises clínicas e exames (actos complementares de diagnóstico) verificada nos hospitais públicos, de 2010 para 2012. Foram menos cerca de 44 milhões de análises e exames (como radiografias, endoscopias, etc.) e menos 2,6 milhões de actos complementares de terapêutica (como fisioterapia e radioterapia), uma quebra da ordem dos 27%. Ao mesmo tempo, as unidades privadas aumentaram substancialmente a sua actividade nestas duas áreas, ainda que isso não tenha sido suficiente para compensar a redução verificada no sector público.
A redução nos meios complementares de diagnóstico decorre do “avanço tecnológico” que “reduz a multiplicidade de exames, permitindo um diagnóstico mais célere”, explicou, em resposta escrita enviada ao PÚBLICO, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). “A sofisticação dos actos de diagnóstico evita a proliferação de actos menos diferenciados”, justifica a ACSS, que dá o exemplo da área da imagem, onde a “democratização da ressonância magnética e tomografia computadorizada substitui a necessidade de recurso a vários exames da radiologia convencional”. Uma TAC “substitui várias radiografias convencionais”, acrescenta.
O mesmo acontece com as análises clínicas, e com a medicina física e reabilitação, a diálise e a radioterapia, com a “sofisticação dos equipamentos e técnicas” a permitir “uma redução dos actos praticados”. Outra explicação avançada pela ACSS passa pela alteração da forma de registo, que evoluiu, nalgumas instituições, para “registos compostos de vários actos”.
Relativamente à diminuição no número de camas, para a ACSS esta é uma consequência do aumento da cirurgia de ambulatório (que não implica internamento) – e que passou de 10% em 2002 para 53,8% em 2012 – e do desenvolvimento da rede de cuidados continuados. “No final de 2012, a rede de cuidados continuados assumia 5911 camas, muito acima da redução de camas de agudos. Este é um feito desejável e em linha com todas as recomendações internacionais”, assinala.
António Taveira, da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos, Armando Santos, da Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde, e o ex-bastonário da Ordem dos Médicos Germano Sousa têm uma explicação mais simples: todos acreditam que este decréscimo fica a dever-se sobretudo aos cortes orçamentais decretados nos últimos anos.
Uma boa notícia neste retrato do INE é a de que aumentou substancialmente o número de médicos e enfermeiros, mais 10 mil e mais 23 mil, respectivamente. Na mortalidade, já se sabia que se morre cada vez menos devido a doenças cardiovasculares (a redução, em termos de taxa bruta, é de 21% em dez anos), mas aumentaram os óbitos por tumores malignos (mais 14,1% entre 2002 e 2012).
Também a esperança de vida continua a aumentar. A má notícia para os portugueses é a de que, apesar de viverem mais tempo, têm menos “anos de vida saudável” do que os cidadãos de outros países da União Europeia. As mulheres são as mais penalizadas: em 2011, uma portuguesa podia esperar, em média, viver sem limitações de longa duração até aos 58,6 anos, enquanto nos homens os “anos de via saudável” se prolongavam até aos 60,7.