Somos melhores do que se pensava a ler as emoções nas expressões faciais
Cientistas analisaram 21 expressões faciais produzidas por emoções simples e complexas. Todas se revelaram visualmente reconhecíveis – mesmo as mais contraditórias, tais como “alegremente enojado”.
O leque de expressões faciais analisado pelos autores deste estudo, que inclui as que correspondem às seis emoções de base às quais se junta uma série de combinações dessas seis – algumas delas até contraditórias –, sugere que o número de estados anímicos que o nosso cérebro consegue discriminar visualmente com fiabilidade no rosto de outrem é pelo menos três vezes maior do que se pensava.
Aleix Martinez e colegas, da Universidade Estadual de Ohio, começaram por fotografar 230 participantes (100 homens e 130 mulheres) a fazer caretas em reacção a frases como “acabou de receber uma fantástica notícia inesperada” ou “há qualquer coisa que cheira mal”. Enquanto a segunda expressão suscita o nojo – uma das emoções ditas de base –, a primeira corresponde a uma “alegre surpresa” – ou seja, a uma emoção compósita, feita da combinação de duas emoções de base.
Emoções mistas
No seu conjunto, as frases que os participantes ouviram suscitavam neles as seis emoções de base, acrescidas de 15 emoções compósitas. Mais precisamente, em tradução livre do inglês: alegria, tristeza, medo (ou susto), raiva (ou zanga), surpresa, nojo, surpresa alegre, nojo alegre, medo triste, raiva triste, surpresa triste, nojo triste, medo zangado, surpresa assustada, medo enojado, surpresa zangada, raiva enojada, surpresa enojada, chocado (mistura de nojo e raiva, com ênfase no nojo), ódio (igualmente mistura de nojo e raiva, mas com ênfase na raiva) e, por último, espanto (medo e surpresa, com ênfase na surpresa).
Os cientistas obtiveram assim vários milhares de retratos e, a seguir, analisaram meticulosamente os componentes das expressões ali estampadas em termos dos grupos de músculos faciais envolvidos na sua criação, tais como a orientação dos cantos da boca ou das sobrancelhas. Recorreram para isso a um método desenvolvido, entre outros, por Paul Ekman, conhecido especialista das microexpressões faciais – e que foi aliás conselheiro científico da série televisiva Lie to Me.
Puderam assim constatar que, efectivamente, cada uma das 21 expressões consideradas envolvia um conjunto único e específico de músculos faciais. E, mais ainda, que esses músculos correspondiam, no caso das emoções compósitas, à combinação dos músculos utilizados para criar cada uma das emoções de base envolvidas. “Por exemplo, a expressão de alegre surpresa conjuga o movimento dos músculos observados na alegria e na surpresa”, escrevem os autores.
Numa segunda fase, a equipa desenvolveu um modelo informático de reconhecimento da face de forma a testar se essas 21 emoções seriam visualmente reconhecíveis no rosto dos participantes. Os resultados falam por si: globalmente, o programa conseguiu identificar as expressões faciais das seis emoções de base em 96,9% dos casos e as das expressões compósitas em 76,9% dos casos.
De facto, a expressão de felicidade é universal: em 99% dos casos, explica a universidade em comunicado, caracteriza-se por uma elevação das maçãs da cara e um sorriso na boca. O mesmo vale para a surpresa, que em 92% dos casos se traduz por olhos arregalados e lábio inferior descaído. Mas o que foi agora demonstrado é que a expressão de uma emoção compósita como “alegremente surpreendido” (ou surpresa alegre) também é muito generalizada – revelando-se, em cerca de 93% dos casos, através dos olhos arregalados (surpresa), da elevação das maçãs da cara (alegria) e a boca na posição “híbrida” de um sorriso aberto.
“Fomos para além das expressões faciais das emoções simples como a alegria ou a tristeza”, diz Martinez, citado no mesmo documento. “Isso é simplesmente espectacular, porque indica que essas 21 emoções se exprimem da mesma maneira em quase toda a gente, pelo menos na nossa cultura.”
Embora a forma como as nossas emoções se mostram na nossa face tenha fascinado muitos estudiosos desde Aristóteles, o objectivo dos especialistas modernos da cognição é tentar “associar as expressões faciais às emoções de forma a identificar os genes, os compostos químicos e os circuitos neuronais que governam a produção de emoções pelo cérebro”, lê-se ainda no comunicado.
Este tipo de resultados poderá de facto, segundo os autores, permitir mapear melhor as emoções ao nível cerebral, mas também ajudar no diagnóstico de doenças como o autismo ou a síndrome pós-traumática, nas quais o reconhecimento da expressão facial das emoções se encontra perturbado. Sem esquecer o desenvolvimento de máquinas capazes de interpretar correctamente a expressão das emoções humanas.