Rússia quer atrair investidores estrangeiros para a Crimeia
O chefe do Governo russo, Dmitri Medvedev, aterrou na pensínsula do mar Negro com vários membros do seu Governo.
"O nosso objectivo é tornar a península o mais atractiva possível para os investidores, para que consiga gerar receitas suficientes para o seu próprio desenvolvimento", disse o chefe do Governo russo em Simferopol, capital da Crimeia.
A ideia é aplicar "regimes de impostos e alfandegários especiais, e também minimizar os procedimentos administrativos", avançou – por outras palavras, impostos mais baixos e menos papéis para preencher para as empresas estrangeiras que queiram ter uma representação na Crimeia. A Rússia tem 28 zonas económicas especiais espalhadas pelo seu território, de que beneficiam empresas como as norte-americanas Ford, 3M e Cisco; a francesa Air Liquide; a japonesa Yokohama; a dinamarquesa Rockwool; e a farmacêutica suíça Novartis.
Estas são algumas das medidas preparadas pelo Kremlin para fazer face aos custos imediatos com a anexação, depois de os responsáveis russos terem anunciado que as reformas dos habitantes da região vão ser aumentadas gradualmente até chegarem aos valores nacionais e que será feito um investimento na melhoria das infra-estruturas locais.
"Há oportunidades, e nós levámos tudo em consideração", afirmou Dmitri Medvedev.
Também nesta segunda-feira, o presidente executivo do maior banco russo, o Sberbank, disse ao Presidente Vladimir Putin que nos próximos seis meses o país poderá cortar o cordão umbilical que o une aos sistemas de pagamento Visa e Mastercard, que decidiram limitar as suas ligações aos bancos russos na sequência das sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia a dezenas de políticos e alguns empresários.
O objectivo é criar um sistema russo de pagamentos por cartão de crédito, disse Geman Gref, ministro da Economia da Rússia entre 2000 e 2007. "Discutimos o assunto numa reunião com o banco central. É preciso fazer uma série de alterações legislativas, o que pode acontecer rapidamente. Depois da introdução das emendas à lei, penso que precisaremos de dois a seis meses de trabalho técnico para lançar o sistema nacional de pagamentos", explicou o presidente do Sberbank, num comunicado publicado no site do Kremlin.
Rússia insiste na federalização da Ucrânia
No terreno e nos corredores da diplomacia, a situação continua mais incerta do que as certezas económicas e financeiras da Rússia.
Um porta-voz do Governo interino de Kiev, identificado pela agência AFP como Olexi Dmitrachkivski, fez saber nesta segunda-feira que "as forças russas estão a retirar-se progressivamente da fronteira" com a Ucrânia, embora tenha salientado que não sabe se essas alegadas movimentações configuram apenas uma "substituição" ou algo mais elaborado, como "uma consequência das negociações entre a Rússia e os Estados Unidos".
Horas depois, o ministro alemão dos Negócios Estrangeiros, Frank-Walter Steinmeier, confirmou e saudou "uma ligeira redução" do número de tropas russas junto à fronteira com a Ucrânia.
O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, reuniu-se com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, em Paris, num encontro que só terminou na madrugada de segunda-feira. Não houve nenhum acordo, mas o responsável russo disse que as conversações foram muito positivas e o seu homólogo norte-americano prometeu debater as propostas de Moscovo na Casa Branca.
Numa posição que já tinha sido transmitida por Vladimir Putin ao Presidente norte-americano, Barack Obama, numa conversa telefónica no sábado, a Rússia propõe que a Ucrânia seja transformada num conjunto de estados federados. "[Só uma estrutura federal] protegerá os direitos dos que vivem na Ucrânia e principalmente da população russa, que é quem nos preocupa", disse no domingo Sergei Lavrov.
Os Estados Unidos, por seu lado, continuam a insistir na retirada imediata das tropas russas da fronteira com a Ucrânia e querem que as autoridades de Moscovo comecem a falar com o governo interino de Kiev, antes de negociarem seja o que for.
"Achamos que essas forças estão a criar um clima de medo e de intimidação na Ucrânia. De certeza que não criam o clima de que precisamos", afirmou John Kerry. Apesar dos esforços diplomáticos, até agora só foi possível concordar que é preciso chegar a um acordo: "Os EUA e a Rússia têm diferentes opiniões sobre os acontecimentos que provocaram esta crise, mas ambos temos consciência da importância de encontrarmos uma solução diplomática e de, ao mesmo tempo, irmos ao encontro das necessidades do povo ucraniano", disse ainda o responsável norte-americano.
A resposta das autoridades ucranianas não deixou dúvidas quanto à receptividade que a proposta russa terá em Washington e Bruxelas, pelo menos por enquanto: "Gostaríamos que a Rússia parasse de ditar ultimatos a um país soberano e independente e centrasse a sua atenção na situação catastrófica e na total ausência de direitos das suas próprias minorias, incluindo a ucraniana", reagiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros ucraniano, em comunicado.
Os Estados Unidos, os países-membros da União Europeia e o comandante supremo da NATO na Europa acusam a Rússia de ter deslocado tropas para a fronteira com a Ucrânia, com dois objectivos possíveis: ou intimidar os ucranianos, ou invadir o seu território. Moscovo desmentiu sempre qualquer intenção de anexar outras regiões de maioria russófona, mas os discursos sobre a "protecção" de russos em relação aos "ataques da extrema-direita" ucraniana, nomeadamente dos neonazis do Sector Direito (que desempenharam um papel importante no derrube do Presidente Viktor Ianukovich, em Fevereiro) não deixam os países ocidentais descansados.
A presença militar russa tem sido objecto de múltiplas interpretações. Na semana passada, o presidente do Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia, Andri Parubi, disse que a Rússia colocou 100.000 tropas ao longo da fronteira; o Departamento de Defesa norte-americano falou em 20.000; outras fontes nos Estados Unidos estimam que são até 40.000; e o Ministério da Defesa russo garante que não estão em curso quaisquer movimentações que violem as normais internacionais.
Numa reportagem publicada no site da estação norte-americana NBC News, o jornalista Jim Maceda relata uma viagem de 1600 quilómetros por território russo, ao longo da fronteira da Ucrânia, concluindo que não encontrou sinais de escalada militar.