Hollande tenta acordar após bofetada eleitoral de Marine Le Pen

Na segunda volta das eleições municipais, a esquerda deve perder uma centena de municípios. O Governo socialista aguarda a remodelação decidida pelo Presidente, sem mudança de estratégia.

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Marine Le Pen ensaia o primeiro passo de uma estratégia apontada às europeias de 25 de Maio AFP/KENZO TRIBOUILLARD

No seu município, que fica na antiga bacia mineira do carvão – o último poço que era explorado encerrou em 2004, relata o jornal Le Monde – a vida parece ter parado. Ali vivem 7400 pessoas, mas em dez anos desapareceram para outras paragens entre 4000 e 5000 habitantes. Resta um café aberto, e um único supermercado. No centro desta antiga cidade medieval fortificada, edificada no século XIII pelos bispos de Metz, que fica a apenas 50 km, só se vêem pessoas idosas, relata o diário francês. A taxa de desemprego entre os jovens com menos de 26 anos ronda os 50%.

“Os idosos vêem os jovens por aí a rondar, e sentem-se inseguros. Marine Le Pen [a líder da Frente Nacional] cavalga a onda da incompetência dos outros e da crise económica”, afirma Khalid.

O que ele diz é certificado pelos analistas e politólogos que descascaram o sucesso eleitoral na primeira volta do partido de Marine Le Pen: os candidatos apoiados pela Frente Nacional (FN) ficaram à frente em 17 municípios e passaram à segunda volta em 229 comunas com mais de 10.000 habitantes, com hipóteses de conseguir obter uma mão-cheia de presidências de câmara, para além de Hénin-Beaumont, que ganharam logo à primeira volta.

“A maior parte dos municípios onde os candidatos da FN se implantaram eram mal muito mal geridos. Isso atenuou o receio da FN”, disse em entrevista ao Le Monde Sylvain Crépon, investigador da Universidade de Nanterre e membro do Observatório das Radicalidades Políticas da Fundação Jean-Jaurès, especialista em Frente Nacional.

Se o Partido Socialista tinha montado desde o Verão uma campanha para combater a FN no plano dos valores, com o primeiro-secretário Harlem Désir a lançar um “combate cultural e político” contra as ideias frentistas – como a recusa da imigração e do Islão, ou da União Europeia – a estratégia da FN para as eleições municipais foi a de manter a ideologia em perfil baixo. “Fizeram campanha sobre as vias públicas, o comércio, o emprego local, para não atemorizar. O que foi pedido aos candidatos foi que dessem a aparência de serem gestores, com um programa local”, explicou Sylvain Crépon.

Volte e explique-se
O Presidente, François Hollande, em 2012 passou por Hombourg-Haut e fez um discurso mobilizador em cima de um camião de caixa aberta, destinado a conquistar os corações do eleitorado de uma zona que já então se virava para o canto da sereia Le Pen. “Não teremos necessidade de rejeitar os que não fizeram a mesma escolha que nós. Vamos precisar dessa reconciliação, dessa mudança, dessa união”, afirmou.

Rachid estava lá. “Era uma sexta-feira, e francamente, acreditei. Era preciso mandar o Sarkozy embora, que nos via como se fôssemos lixo. Mas Hollande enganou-nos com um discurso de veludo. Tenho 36 anos, já não tenho direito às ajudas reservadas aos mais novos e agora tenho menos trabalho por causa da fiscalização das horas extraordinárias. Talvez a crise se tenha agravado, mas parece-me que Sarkozy a geria melhor”, afirmou ao Le Monde.

Khalid também ouvi o discurso de Hollande nesse dia, e enviou um email para o Palácio presidencial, em Paris, em representação de vários outros habitantes do município em 2013, convidando o Presidente a voltar a Hombourg-Haut  para se explicar – porque é que a política que seguia era tão diferente do discurso mobilizador que tinha feito ali? “O que nos tinha dito, era só para ganhar o tacho?”, interroga-se, mostrando ao repórter do diário francês a resposta, recusando o convite.

François Hollande fez saber  que o Governo deve “ouvir os franceses e tirar as lições” devidas aos resultados destas eleições. Após a” bofetada” dada pelos eleitores, o Governo “deve trabalhar com mais força, mais coerência e justiça social para a recuperação do país”, disse o Presidente, através da porta-voz do Executivo, a ministra Najat Vallaud-Belkacem.

Mas o que tem o Presidente para oferecer de novo? Na verdade, pelo que se viu até agora, nada. A maior mudança será a remodelação governamental – que já estava a ser planeada antes das eleições, quando ninguém no PS francês antecipava um resultado tão penalizador nas eleições. É provável que saia o próprio primeiro-ministro, Jean-Marc Ayrault, e muito se especula que seja substituído pelo actual ministro da Administração Interna, Manuel Valls – o governante mais popular.

Valls tem muitos apoiantes – embora não entre os verdes e a Europa Ecologia, parceiros de coligação no Governo. Como “primeiro polícia de França”, com uma polícia agressiva de deportações de ciganos da Europa de Leste, gera algumas resistências nos sectores mais à esquerda. Mas é também um potencial rival para Hollande – é um socialista com perfil de candidato à Presidência da República.

Quem substituir Ayrault terá de pilotar o que é o plano-mestre do Governo para os próximos anos: o “pacto de responsabilidade”, a estabelecer entre o Estado e as empresas francesas, que prevê um alívio nos impostos cobrados às empresas e aos trabalhadores independentes no valor de 30 mil milhões de euros, e economias de 50 mil milhões de euros na despesa pública até 2017.

Este pacto avançará sempre, embora estejam a ser preparados alguns cortes nos impostos para as famílias de menores rendimentos, a apresentar no fim de Abril, que podem representar 2000 a 3000 milhões de euros.

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