Suárez é o anti-Marcello Caetano

Depoimento do ex-Presidente da República socialista Mário Soares.

Tivemos um grande contacto durante a transição da ditadura para a democracia em Espanha. A princípio, como ele tinha vindo do franquismo e tinha sido ministro-secretário do partido único franquista, fiquei desconfiado quando surgiu como a figura dominante depois da morte de Franco em Novembro de 1975.

Suárez já era na altura amigo do actual rei de Espanha – a quem sempre foi muito fiel – e, pouco a pouco, fizemos uma grande amizade.

Era um homem de excepcional inteligência política, muito rápido a tomar decisões. Conseguiu transformar a ditadura espanhola numa grande democracia e ajudou a que, mais tarde, já com Felipe González, Portugal e Espanha entrassem na CEE no mesmo dia.

Quando eu quis que Portugal entrasse na CEE, fui de carro pela Europa falar com os líderes da altura. Ele pediu-me que, nesses encontros, eu falasse também da Espanha e eu fiz isso. A Europa estava muito desconfiada.

Politicamente, ele também teve a coragem de ajudar Santiago Carrillo e legalizar o Partido Comunista Espanhol. Eu defendi esse processo e convenci-o. Ganhei-lhe um grande respeito. Ele ao princípio não queria, por causa dos generais. Eu sugeri-lhe que o fizesse num dia em que os militares estivessem distraídos. E assim se fez, num dia de Páscoa.

Depois da morte de Franco, vendo aquele ambiente pró-democracia, Suárez transformou-se e aproveitou isso para consolidar a democracia de Espanha. Foi inteligência dele, de mais ninguém. Ele é o anti-Marcello Caetano.

E outro aspecto importante: Suárez foi também um homem com coragem física pura. Um homem valente. Quando em 1981 houve a intentona militar que queria voltar ao franquismo e a Guarda Civil entrou no Parlamento com metralhadores e obrigou toda a gente a sentar-se, só três não se sentaram: o ministro da Defesa Gutierrez Mellado, Santiago Carrillo e Adolfo Suárez.

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