Combatentes da Maidan admitem ter perdido a guerra da informação

Um mês após a Revolução, Maidan parece um parque temático. Namorados passeiam pelos destroços, combatentes sentem-se usados e culpados por terem levado o país à destruição. Maidan, dizem, tornou-se numa guerra de informação, que Putin venceu.

À volta da mesa do escritório que pertenceu a uma empresa de IT, no colossal edifício onde outrora funcionaram os serviços administrativos soviéticos, o grupo expõe as suas teorias. Nem sempre Evgen, Oksana, Michailo e Volodimir estão de acordo, mas nisto estão: tudo o que está a acontecer na Ucrânia foi planeado em conjunto pelos membros do actual governo de Kiev e o Presidente russo, Vladimir Putin.

Uma razão plausível para isto? Evgen Shulga, 27 anos, explica: “As acções de todas as empresas do mundo que têm negócios com a Rússia baixaram durante a revolução. Putin comprou-as, para assumir o controlo dessas empresas”.

Michailo Kravtsiv, 34 anos, vê outras manigâncias conspirativas. Em várias folhas A4 desenha esquemas, com setas e figuras geométricas, para demonstrar uma rede intrincada de causalidades. “Com a intervenção na Crimeia, Putin desviou a atenção dos seus problemas internos”, começa Michailo calmamente. “O Ocidente apoiou a Maidan porque está interessado em enfraquecer simultaneamente a Ucrânia e a Rússia, para aceder aos seus recursos”. Mas “a Europa será também prejudicada, pelo que quem ganhou realmente foram os EUA”.

“...E a China!”, acrescenta Oksana Shulga, 24 anos, logo apoiada por Volodimir Pontus, 29 anos, que vem lembrar como a Rússia ficou agora vulnerável, após ter deslocado para a Crimeia a nata das suas forças especiais. “O Japão deveria atacar agora, para recuperar as ilhas Curilhas”.

Os corruptos de sempre

O Nova Era foi um dos grupos armados que combateram em Maidan. Sob o comando de Evgen, montaram uma barricada na avenida que leva ao Parlamento, e lutaram contra as brigadas da Berkut (a polícia especial do regime), até ao desfecho trágico do dia 20 de Fevereiro, em que mais de 80 pessoas foram mortas por atiradores furtivos.

Agora estão contra o Governo supostamente escolhido pelos revolucionários, através de votação e gritaria no palco da Maidan.

“Fomos usados”, diz Evgeni. “Os que estão agora no Governo são os mesmos corruptos do tempo de Ianukovich, e da época anterior, como Iulia Timoshenko”. Michailo acrescenta: “A Maidan não está satisfeita com o Governo. E uma segunda vaga da revolução pode começar a qualquer momento”.

Terá sido para evitar esse segundo levantamento, aliás, que o Governo decidiu não combater os russos na Crimeia, diz Michailo. “Haveria mortos entre os soldados ucranianos, e isso provocaria protestos aqui”.

Segundo Oksana, “Kiev deveria ter dado ordens aos seus militares na Crimeia para combaterem os russos, logo nos primeiros dias da ocupação, enquanto era possível. Depois eles já eram demasiados numerosos”.

Mas o grupo Nova Era acredita que a situação não é irreversível. “Dentro de dois anos ou três, as pessoas verão que os russos não cumpriram as promessas que fazem agora”, diz Evgen. “A economia não vai crescer. Os turistas não irão à Crimeia, por medo da insegurança”. Além disso, “ucranianos e tártaros irão combater. Não numa guerra aberta, mas como partisans, em guerrilha”.

Póquer e relações públicas

O Nova Era tenciona fazer o mesmo. Os seus 40 elementos treinam todos os dias, para dar luta aos russos, quando eles atacarem. Já não obedecem ao comando da Auto-defesa, Saamoborona, que, dizem, se deverá extinguir dentro de semanas. Agora, cada grupo sabe de si. E há muitos, armados, obcecados e confusos.

Há um mês, o grupo de Evgen usava símbolos nacionalistas e dizia-se simpatizante do Sector Direito, a federação radical de ideologia fascizante. Agora ficaram comedidos. Tomaram consciência de que as declarações e símbolos de extrema-direita se tornaram a imagem da revolução, o que assustou as populações russas do Sul e Leste, e deu a Putin o pretexto para a intervenção.

“Nós estávamos ocupados a combater Ianukovich, não tínhamos tempo para controlar o Sector Direito”, diz Oksana. E Evgeni garante: “A revolução teria vencido mesmo sem a acção desses grupos radicais, ao contrário do que eles dizem. São um bando de jovens fanfarrões e irresponsáveis. Mas nós deixámos que dominassem a imagem da revolução”.

Michailo reconhece: “A nossa prioridade agora é criar um departamento de Relações Públicas, para controlarmos o que se diz nos media. Isto é uma guerra da informação. E nós perdemos a guerra da informação com Putin”.

Se não conseguir, durante as próximas semanas, angariar fundos para a organização, Evgeni admite dissolvê-la, e regressar à sua cidade, Lviv, para recomeçar a trabalhar. É jogador de póquer profissional, e a época começa na Primavera. Os primeiros campeonatos em Montecarlo são em Maio. “Veremos se isto era uma coisa a sério, ou se não passávamos de uns miúdos a brincar às revoluções”.

Feira revolucionária

O país pode estar destruído, ?mas Kiev continua a amar o luxo. Os cafés e restaurantes ao longo das largas avenidas competem em design e sofisticação. Os edifícios são monumentais, as ruas limpas, os automóveis potentes, com vidros fumados, os homens gostam de ostentar poder e riqueza, e as mulheres de vestir-se como se estivessem permanentemente numa ?ocasião festiva e especial.

Um mês depois dos confrontos sangrentos que determinaram o êxito da revolução, a cidade voltou ao seu bulício de sempre. As lojas estão abertas, o metro regressou ao frenesim do costume, multidões invadem dia e noite as avenidas.

Principalmente a Khreshchatik, que avança imponente até desaguar na Maidan. É um mundo em si mesma e, por isso, a gigantesca barricada de pneus e destroços e o camião incendiado que surgem de repente parecem uma instalação artística no meio da alameda. Entrar na Maidan é como comprar bilhete para um parque temático.

Namorados com copos de cappuccino passeiam entre os pneus queimados, as tendas, os memoriais, os painéis com as fotografias dos mártires. Bancas de rua vendem bandeiras e emblemas. Outras brinquedos. Um grupo de idosos pratica Tai Chi. Uma banda de índios dos Andes interpreta com flautas El Condor Pasa. Um piquete de activistas de camuflado estendeu no chão uma bandeira comunista, para que os transeuntes possam limpar os pés. No palco foi instalado um enorme crucifixo. Equipas de mulheres limpam do chão as flores que apodreceram. Um casal muito jovem envolve-se num beijo intenso e prolongado, junto a um monte de pneus queimados e flores vermelhas. Agarram-se com força e parece que não vão parar até que o cenário se torne enfim idílico, inesquecível, feliz.     

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