Propinas para estudantes estrangeiros podem subir cinco vezes mais

O estatuto decreta que as instituições do ensino superior passam a poder cobrar aos estudantes estrangeiros um valor de propinas equivalente ao custo real da sua formação. Lei não estabelece limites.

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Tamara Wocjechowska e Larissa Barreto, duas estudantes estrangeiras em Portugal RENATO CRUZ SANTOS

O diploma, que só terá aplicação prática a partir do próximo lectivo, é o primeiro em Portugal que regulamenta o estatuto dos estudantes estrangeiros que ingressam nas universidades e institutos politécnicos. As novas regras têm em vista a captação de estudantes de fora, através de um regime especial de acesso a licenciaturas e mestrados integrados.

Os alunos estrangeiros que consigam, através de concurso, ingressar no ensino superior português não serão tidos em conta para o financiamento do Estado às respectivas instituições, sendo que, em contrapartida estas "poderão fixar propinas diferenciadas, tendo em consideração o custo real da formação" como está previsto na lei do financiamento do ensino superior. O valor das propinas para os estudantes estrangeiros, que as universidades e politécnicos terão liberdade para fixar, deverá ter em conta o custo real da formação de cada estudante. Critérios como “os valores fixados noutras instituições de ensino superior nacionais e estrangeiras” também serão levados em conta no acerto do valor a pagar, que nunca poderá ser inferior "à propina máxima fixada pela lei para o ciclo de estudos em causa". A propósito destes critérios, o vice-reitor da Universidade do Porto, António Marques, explicou ao PÚBLICO que“no futuro, um estudante estrangeiro que agora paga cerca de 1000 euros de propinas na Universidade do Porto pode, com este novo estatuto, passar a pagar 5000”.

Ao estatuto não vão estar sujeitos os alunos integrados em programas de mobilidade temporária – como o programa Erasmus– nem mesmo os jovens provenientes da CPLP (Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa) que, em Portugal, estão sujeitos a um regime diferenciado. Todos os alunos que não tenham nacionalidade portuguesa e possuam o diploma de frequência e término do ensino secundário, em Portugal ou no país de origem, podem assim usufruir do regime especial de acesso.

Em Janeiro, aquando da aprovação do estatuto em Conselho de Ministros, o CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) considerou que o documento, que também ajudou a elaborar, será útil, mas ainda limitador para a capacidade de atracção das universidades. O presidente do CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos), Joaquim Mourato, por sua vez, entende que a legislação era necessária e as novas regras poderão ajudar os politécnicos a captar mais jovens vindos de fora. Quanto à possibilidade de aumento do valor das propinas para estes estudantes, concorda que cada instituição suporta custos de formação distintos e que o valor das propinas deve ser fixado de acordo com esse critério.

O sucesso ou insucesso do estatuto e as alterações que o decreto-lei introduz ainda não podem ser verificados, contudo há quem antecipe alguns cenários. Pedro Lourtie, ex-secretário de Estado do Ensino Superior, disse ainda na altura em que documento estava a ser discutido que a regulamentação era necessária, sobretudo no caso de estudantes vindos de fora da União Europeia, uma vez que “não faz sentido serem os contribuintes portugueses a pagar a formação de um estudante chinês, por exemplo. As propinas devem ser ajustadas à realidade, ao que custa cada estudante”, defendeu. Nesta discussão insurgiram vozes discordantes, como foi o caso de Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra. O docente não acha bem que o mesmo serviço seja pago de forma diferente por dois estudantes, tendo como critério a sua nacionalidade. “Era o que faltava o custo variar conforme a cara do cliente! Aliás, a União Europeia proíbe esse tipo de discriminação e os alunos portugueses são tratados na União Europeia como os outros”, afirmou Carlos Fiolhais.

A internacionalização do Ensino Superior
Os últimos dados de 2011/2012 revelaram que existem em Portugal 28.656 alunos estrangeiros a frequentar o Ensino Superior, incluindo instituições públicas e privadas. As universidades de Lisboa e Porto são as que revelam maior capacidade de atracção, com uma percentagem de ocupação de estudantes vindos de fora que ronda os 10%.

A maioria dos estudantes estrangeiros a frequentar o Ensino Superior em Portugal são provenientes dos países da União Europeia e da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). Em ambos os casos os estudantes beneficiam de condições especiais de acesso às instituições. Com os países da CPLP estão estabelecidos diversos protocolos e para a UE, o valor das propinas exigido aos estudantes vindos de fora é semelhante ao cobrado aos portugueses. Esta situação irá sofrer agora alterações ainda por verificar, com a entrada em vigor do novo estatuto a partir do próximo ano lectivo.

Em 2011, o Brasil assumia a liderança do ranking dos países com mais alunos a estudar em Portugal, com uma percentagem de cerca de 24% em relação à amostra total de estudantes internacionais. Logo depois Angola e Cabo Verde e os europeus Espanha, Itália e Polónia.

Quanto ao grau de formação, a maioria dos estudantes estrangeiros vem para tirar mestrado ou doutoramento. As licenciaturas continuam a ser mais atractivas para jovens provenientes de países onde se fala o português, uma vez que a oferta do 1.º ciclo em línguas estrangeiras é pouco significativa em Portugal. Esta é outra realidade que decerto sofrerá alterações com a aprovação no Estatuto do Estudante Internacional, que inclusive direcciona as atenções para a captação de estudantes da Ásia e América Latina.

O sector público continua a ser o mais atractivo para os estudantes internacionais, mas a diferença entre o público e privado não é tão acentuada quando olhamos para os números dos alunos estrangeiros em comparação com os portugueses. Contando públicos e privados, a percentagem de estudantes internacionais no ensino superior português ronda os 2,4%, valor ainda considerado baixo.

Universidade do Porto acolhe estudantes e investigadores de 112 países
A Universidade do Porto (UP) acolheu, em 2102/2013, 3895 estudantes e investigadores oriundos de outros países, valor que representa 13% do total de alunos da instituição.

Na UP estão representados os cinco continentes: Europa, com alunos de 36 países; o continente africano, com estudantes provenientes de 25 países; Américas, com um total de 24 países representados; Ásia com 23 e Oceânia com quatro países na lista. Na UP, continuam a ser mais os estudantes internacionais que vêm integrados em programas de mobilidade europeus. Excluindo estes, os restantes, na sua grande maioria, vêm dos países da CPLP.

Ao longo destes últimos anos, a Universidade do Porto tem vindo a reforçar a sua vertente internacional. A aprovação do Estatuto do Estudante Internacional vem mudar as regras do jogo e as consequências a longo prazo são difíceis de prever. O vice-reitor da UP, António Marques, responsável também pela cooperação internacional, explica que a discussão e regulamentação do faz sentido, mas a opinião concreta acerca das suas vantagens e desvantagens está ainda dependente de desenvolvimentos futuros. Neste momento a UP tem a seu cargo estudantes provenientes de todo o undo e o custo de formação desses estudantes é elevado. O vice-reitor teme que, neste ponto, o estatuto possa ter um efeito dissuasor na captação dos estudantes estrangeiros. Dá como exemplo o caso da Suécia, onde “após a aprovação de uma lei semelhante, houve um declínio de cerca de 80% da procura por parte de estudantes estrangeiros”. 

António Marques defende que, nesta matéria, Portugal devia olhar para os bons exemplos europeus, como os casos da Noruega ou da Holanda, em que existem bons programas de financiamento do Ensino Superior. “Estes países não estão só preocupados em atrair muitos estudantes, eles querem também atrair os melhores” e, nesse sentido dão fortes incentivos aos jovens vindos de fora, nomeadamente através de bolsas de estudo.

Histórias de estudantes estrangeiros
Elizângela Inácio, de 21 anos, é angolana, mas já vive em Portugal há dez anos. Está neste momento a licenciar-se em Comunicação Social, na Escola Superior de Educação de Viseu, e mostra-se contente com o seu percurso em Portugal. “Aqui o ensino é, sem dúvida, muito melhor do que em Angola, mas acho que não é tão bom quando comparado com outros países da Europa”. Quando questionada acerca do Estatuto do Estudante Internacional, Elizângela diz ainda não ter uma opinião bem formada. “O aumento das propinas para estudantes estrangeiros não me pode agradar, mas penso que se o Estatuto permitir atrair mais gente de fora para Portugal, então isso é positivo”. Elizângela conclui ainda que “só a entrada em vigor do documento poderá revelar se as novas regras terão boas ou más consequências”.

Alexandre Rocha tem 20 anos e está a concluir a sua licenciatura em Ciências da Comunicação: Jornalismo, Assessoria e Multimédia, na Faculdade de Letras da UP. Veio do Brasil para Portugal quando tinha 12 anos e, por isso, já realizou o terceiro ciclo e o ensino secundário em Portugal. Alexandre não será afectado pelas novas regras do Estatuto do Estudante Internacional, uma vez que possui dupla nacionalidade. Ainda assim, fala de injustiça na nova lei. “Não compreendo por que é que um aluno estrangeiro deve pagar mais pelo ensino do que um aluno português. Isso vai fazer com o que jovem que vem de fora se sinta injustiçado e discriminado”. Alexandre considera ainda que, apesar das vantagens que o estatuto possa acrescentar na captação de estudantes de fora, o aumento das propinas vai “desincentivar os jovens estrangeiros a vir para Portugal”, levando-os a procurar outras possibilidades para a sua formação superior.

Larissa Barreto, de 29 anos, veio viver para Portugal com o marido e resolveu inscrever-se numa licenciatura em Ciências da Comunicação, seis meses depois de chegar de Salvador, Brasil. A estudante da UP fala das dificuldades que o novo estatuto pode trazer a estudantes internacionais que não tenham o euro como moeda oficial. “As propinas, que para nós que temos o real como moeda, já são caras e o aumento só vai desencorajar a vinda de estudantes estrangeiros e sobretudo brasileiros”. Larissa acrescenta ainda que, estando Portugal em crise, seria do interesse do país captar mais estudantes internacionais, uma vez que muitos destes depois ficam a trabalhar cá e “vão contribuir para a riqueza nacional”.

Tamara Wocjechowska, de 20 anos, veio da Varsóvia, capital polaca. Está em Portugal há cinco meses a estudar Cinema na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (ESMAE). Tamara destaca o ambiente amigável e acolhedor que encontrou em Portugal e as pessoas “com mentalidades abertas” que tem conhecido. Considera, por isso, que será prejudicial para o país a aprovação do novo estatuto, pois este irá limitar as possibilidades dos estudantes estrangeiros virem para cá. “Não é justo, estão a fechar-nos oportunidades em vez de criá-las”, afirma Tamara.

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