A nova vida do São Carlos só vai ter Pinamonti como consultor
O ex-director do Teatro Nacional São Carlos volta, sete anos depois, agora como consultor. O modelo, diz o secretário de Estado da Cultura, "pode ser discutível", mas foi a solução encontrada para devolver a grandeza ao único teatro lírico do país. Até Junho estreiam três óperas em versão concerto.
Paolo Pinamonti confirmou ao PÚBLICO que o seu contrato acompanha o mandato da nova administração, que inclui ainda o pianista Adriano Jordão como vogal, e com quem o actual director do Teatro da Zarzuela dialogará, sem contudo assumir a responsabilidade da programação. “Pediram-me ajuda e pela minha relação afectiva com o São Carlos decidi aceitar”, explicou, reatando assim uma relação interrompida em 2007, depois de mandatos que, disse o próprio secretário de Estado, haviam tornado o São Carlos num teatro de referência.
A escolha de Pinamonti, que esteve no TNSC de 2001 a 2007, teve em conta “o contexto de limitação e restrição [financeira] que vivemos”, o “seu conhecimento da organização e o seu historial” com o TNSC e “a rede de contactos internacional que tem”, justificou Barreto Xavier. “A estabilidade [do TNSC] não depende só de mecanismos de ordem financeira, depende de orientações claras sobre o presente e o futuro; e a missão que foi atribuída ao recém nomeado conselho de administração é que, de facto, possa cuidar e projectar estavelmente a missão [do Opart]”, acrescentou o secretário de Estado da Cultura na conferência de imprensa de onde se foi embora depois da sua intervenção, respondendo só a algumas perguntas.
Os contornos desta colaboração de Pinamonti com o São Carlos são, contudo, diferentes das que eram no passado. O PÚBLICO questionou, mais tarde por email, o gabinete da SEC relativamente aos valores do contrato, bem como a diferença entre esse valor e o que é pago a um director artístico, mas ainda não obteve resposta.
Pinamonti, que saíra do TNSC em ruptura com o modelo de fusão com a CNB, que hoje continua em vigor, não deixará Madrid e apenas acompanhará as produções “no que for possível”, auxiliando a direcção na “recredibilização do teatro”.
“A situação não é fácil, mas pela administração e pela tutela, há vontade de voltar à grandeza que o TNSC tinha”, explicou ao PÚBLICO o ex-director artístico. Sete anos depois, encontrou uma SEC “muito empenhada, apesar dos muitos problemas” mas “a situação político-financeira [é] impeditiva de outras soluções”. O agora consultor respondia assim à perplexidade que havia causado, em Setembro passado, o anúncio a sua nomeação como consultor mas não como programador.
O próprio secretário de Estado da Cultura admitiu na conferência de imprensa que o modelo é discutível, mas que tinha sido essa a solução encontrada pelo Governo para resolver o objectivo principal de dar ao TNSC uma programação.
Admitindo que permanecem resistências ao modelo Opart, Pinamonti garantiu que não terá sido essa a razão que levou à sua não nomeação como director artistico. “Tenho um projecto em desenvolvimento no Teatro da Zarzuela, em Espanha, que tem que desenvolver um trabalho de protecção de um género de teatro específico”, explicou.
O que fará no TNSC é diferente. “Não é fácil ter uma visão optimista perante esta situação financeira”, admitiu Pinamonti, que contará com um milhão de euros para a temporada restante. Até Junho, o TNSC apresentará três versões de concerto das óperas Poliuto, de Donizetti (16 a 21 de Abril), La Gioconda, de Ponchielli (13 a 17 de Maio, com Elisabete Matos como protagonista), e Norma, de Bellini (4 a 8 de Junho).
Serão ainda apresentados dois concertos sinfónicos (15 de Março e 6 de Abril), um ciclo de cinema focado na relação entre Charles Chaplin e a música, a reposição de O Doido e a Morte, de Alexandre Delgado, com encenação de Joaquim Benite (Maio, em Almada).
Colaboração com Espanha
O Festival ao Largo não faz parte da consultadoria solicitada a Pinamonti, nem foram avançados nomes ou datas para o evento que desde a saída do ex-director decorre habitualmente em Junho e é já, segundo o ex-director do festival Terras sem Sombra e actual presidente de administração do Opart José António Falcão, “uma tradição na programação”.
Antes de tudo isso o TNSC apresenta hoje (20h) e domingo (16h), El Gato Montés, a que Pinamonti chama uma Cavalleria Rusticana andaluza. Esta ópera em três actos de Manuel Penella, em estreia em Portugal, foi considerada a melhor produção lírica e de zarzuela espanhola de 2012. Encenada por José Carlos Plaza, poderá ser conhecida por ter sido aqui que nasceu o famoso paso doble (o nome da marcha do toureiro quando entra na praça de touros), mas Pinamonti fala de uma ópera que recupera a tradição e a inscreve no plano operático.
O triângulo amoroso entre um bandoleiro, um toureiro e uma cigana, com direcção musical de Cristóbal Soler, junta assim o TNSC e o Teatro da Zarzuela, com o apoio da Accion Española, mais um dos exemplos que Jorge Barreto Xavier evocou como resultantes da “colaboração evidente” entre os dois países.
Mesmo que não se possa ainda perceber em que resultará esta parceria para o lado português, Pinamonti espera que este “trabalho de embaixador ajude a isso”. Para já, a estreia de El Gato Montés é, do ponto de vista simbólico, o início dessa colaboração.
Um dos objectivos a médio e longo prazo, admitiu, é voltar a poder apresentar uma temporada de Outubro a Junho, não havendo compromisso sobre se a próxima temporada poderá já funcionar nesses moldes. Pinamonti quer “um teatro a funcionar regularmente e com qualidade”. “A situação da Opart foi muito difícil financeiramente, mas não me interessa polemizar. Interessa-me olhar para o futuro”.
O trabalho articulado com a maestrina titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa, Joana Carneiro, que esteve ausente da conferência de imprensa por ter que se apresentar para uma substituição em Helsínquia, deverá, acredita Pinamonti, resolver os problemas que a orquestra tem apontado, desde a diminuição de concertos sinfónicos à necessidade de reforços. Diz Pinamonti: “Há uma qualidade nos intérpretes e nos cantores que demonstra que estamos novamente a levantar a cabeça. Há profissionais técnicos e artísticos que, nos últimos anos, foram postos um pouco de lado.”
Para José António Falcão, “há que criar condições de estabilidade para que os artistas possam trabalhar”. E, nesse sentido, o presidente do Opart fala num plano a cinco anos que quer fazer articular “a maior visibilidade do TNSC com a sua história e património, chamando a sociedade civil a participar”.
O que não se faz “sem uma confiança mútua, um espírito de corpo e correcções que exigirão de nós um esforço pedagógico que, se precisar de ser corrigido, sê-lo-á”. O que isto significa, assegura, é que a nova administração do Opart está disposta a esclarecer, junto da tutela, que “para conseguirmos estes resultados, temos que de assegurar estas condições”.