Extrema-direita em Kiev sonha com país "como a Suíça", mas em que só se vota de braço no ar
“A Ucrânia tem a oportunidade de fazer a primeira revolução correcta do mundo.”
Vários líderes do Sector Direito sentam-se à volta de uma mesa, para explicarem ao PÚBLICO as linhas mestras da sua ideologia e programa. “Até aqui foi a fase dos combates, agora entrámos na fase política”, reconhece um deles, nome de código Lamco, sem um grande entusiasmo. Uma comissão encarregada de redigir o programa político ainda está numa fase muito embrionária. O que não é preocupante porque, para o Sector Direito, quanto menos regras escritas houver, melhor.
À porta da sede do partido, no 7.º andar do edifício da câmara municipal de Kiev, está pintada uma gigantesca cruz suástica. Para que ninguém entre enganado. Depois, por todos os aposentos, há símbolos nacionalistas e nazis pintados nas paredes com spray.
Os activistas do Sector Direito, que é uma confederação reunindo vários movimentos de extrema-direita, andam de um lado para o outro, assistem a reuniões, ou passam horas sentados ou deitados em colchões estendidos no chão, ouvindo música em alemão, sempre de botas militares, coletes à prova de bala, capacetes, balaclavas ou máscaras. Há escudos metálicos empilhados nos corredores, prontos a serem levantados rapidamente, há bandeiras vermelhas e negras, as cores dos nacionalistas ucranianos durante a Segunda Guerra Mundial, comandados por Stepan Bandera.
“Não vamos depor as armas até à vitória final”, declara Lamco, que é comandante de um grupo armado e é advogado. E quando diz “vitória final” refere-se ao regime político defendido pelo Sector Direito, a que ele chama uma “democracia em rede”.
Sentado à luxuosa secretária que terá pertencido a algum alto funcionário municipal, e sempre acariciando um cacetete negro, o comandante Lamco explica: “As comunidades de base é que tomam as decisões. Será um sistema idêntico ao que vigorou durante o Rus de Kiev, no século IX . Nessa altura, éramos um dos países mais poderosos do mundo.” [O Rus de Kiev é o primeiro reino eslavo fundado no espaço que é hoje ocupado pela Ucrânia e a Rússia europeia.]
Esse sistema, a que ele chama “a verdadeira tradição europeia”, é uma espécie de democracia directa e guerreira, que “não tem nada a ver com o fascismo". "É um sistema descentralizado. As comunidades tomam as decisões quanto aos assuntos que lhes dizem respeito, como acontece na Suíça.”
Mecheslav e Granislov (também nomes de guerra) são os coordenadores operacionais a nível nacional do Sector Privado. Deixam Lamco falar porque ele, como advogado, integra a comissão do programa político. Mas por vezes parecem não concordar com ele. “Será um sistema descentralizado, mas com um Estado muito forte”, diz Mecheslav, um jovem muito alto e magro, fardado de preto, de olhos azuis e faces encovadas. “A nossa ideologia é o centrismo ucraniano”, declara. “Não é nazi. Será algo único. Ninguém acredita que a revolução é possível, mas é. A tradição leva à inovação.” E acrescenta: “A Ucrânia tem a oportunidade de fazer a primeira revolução correcta do mundo.”
Granislov, fardado de verde, cabelo rapado e os músculos do rosto ininterruptamente premidos para parecer um duro, lança uma pergunta retórica: “Porque estão todos com medo do nacionalismo? Eu amo o meu país. Têm medo disso? É verdade que eu odeio os meus inimigos, porque amo o meu país.”
Partidos para quê?
Lamco retoma a exposição teórica: “O Governo central só controla a Ciência, a Medicina e o Exército. O resto é decidido a nível local. Tudo o que é política, Justiça.” O sistema tem algumas características que não são negociáveis: “As votações são feitas de braço no ar, não por voto secreto. Para que cada um seja responsável pelo seu voto. Eleições secretas eram necessárias no século XX, porque as pessoas viviam com medo. Agora já não precisamos disso.”
Outro princípio importante: “Não haverá leis escritas. Apenas uma lei geral, uma Constituição. O resto será decidido de acordo com a tradição e o bom senso.”
Mais um ponto importante do programa: “Toda a gente terá o direito de usar armas. Exigimos esse direito. Uma nação sem armas é uma nação escrava. Veja-se o que aconteceu na Ucrânia: o Governo tinha armas, as pessoas não, e deu no que deu.”
Outra regra: “Não haverá partidos políticos.” Os partidos são a fonte de toda a corrupção, representam interesses estranhos à nação… começa Lamco a explicar, mas Granislov puxa-lhe pelo braço. Parece que não há um consenso sobre a tema, no seio da organização. “Não teremos um regime de partido único, como os fascistas”, promete Mecheslav. “Mas não haverá propriamente partidos…” continua Granislov. E perante a insistência para que definissem uma posição, Lamco irrita-se: “Partidos, partidos, porque está tão obcecado com isso? Esse assunto não tem importância. Avance para a próxima pergunta.”
Claramente preocupados em não deixar a impressão de que são fascistas, os coordenadores apressam-se a dizer que defendem uma imprensa livre, e que respeitarão as minorias étnicas da Ucrânia. “Não haverá agressão a outros grupos. Todas as minorias nos apoiam”, diz Mecheslav. “Os conflitos na Ucrânia foram sempre criados artificialmente.”
O líder político do partido, Dmitro Iarosh, foi, no entanto, citado várias vezes como tendo proferido declarações anti-semitas e anti-russas. Já depois desta entrevista, o Comité de Investigação da Rússia, o mais importante organismo de investigação criminal de Moscovo, geralmente chamado "o FBI da Rússia", anunciou que vai acusar Iarosh de ter incitado a actos terroristas na Rússia. O crime pode levar até sete anos de prisão, e, caso o líder da extrema-direita ucraniana seja condenado, num julgamento in absentia, o seu nome será colocado numa lista internacional de procurados pela Justiça.
“Nós estamos em estado de guerra”, diz Granislav. “Temos armas suficientes para tomar o poder, mas não as usamos agora, para que não digam que somos fascistas. Não vamos destruir o sistema num só dia. Vamos mudá-lo aos poucos, enfraquecendo-o, para que os estragos não sejam demasiado elevados.”
Os coordenadores dizem ter realizado sondagens segundo as quais mais de 50% dos ucranianos os apoiam. “Estiveram connosco nas barricadas, acredito que também estarão connosco no projecto político. Foi o Sector Direito que começou a revolução. Estivemos lá desde o princípio. Devemos ser nós a conduzir o país a partir de agora.”
Interrogado sobre o destino da metade da população ucraniana que não os apoia, Granislov respondeu: “Vamos mudando a consciência dos ucranianos. Se agora 50% estão connosco, quando conquistarmos o poder serão 100% a aplaudir a nossa acção.”