Miguel Relvas e Jorge Coelho: o regresso dos “homens do aparelho”
São amigos, sportinguistas e maçons e trocaram ambos, a certa altura, a política pelos negócios. Passos e Seguro chamam-nos, agora, que começa um novo ciclo eleitoral
O noivo estava ainda a digerir os 654 dias que passou como ministro, e a saída inglória, em cada esquina uma “Grândola”, e a tal “força anímica” que lamentava já não ter.
Ainda Relvas ia, já Jorge Coelho vinha. Acabara de sair da Mota -Engil, ao fim de cinco anos, onde chegou a ser votado pelos leitores do Diário Económico como o segundo melhor CEO das empresas do PSI-20.
Relvas saiu do Governo no dia 4 de Abril de 2013. Uma semana antes, Coelho dizia, num comício em Viseu, que lhe estava a “saber bem” o regresso às campanhas.
Quase um ano depois, Relvas reaparece a liderar a lista de Passos Coelho para o Conselho Nacional do PSD – a votação foi fraca, 18 mandatos em 70 - e Coelho vai à sua terra, Mangualde, acompanhar António José Seguro numa conferência do Novo Rumo. Dois dias depois já participava em reuniões da direcção do PS com as federações do partido.
Não será esta a única coincidência na história dos dois. O regresso, quase simultâneo, dos dois “homens do aparelho”, que marcaram algumas vitórias eleitorais de PS e PSD, nos últimos 20 anos, dá-se numa altura em que Passos Coelho e Seguro, da mesma geração e com percursos políticos semelhantes, precisam ambos da sua “enorme experiência em processos eleitorais”, adianta Gustavo Sampaio, autor do livro Privilegiados, sobre a passagem de políticos para o mundo dos negócios.
Para Carlos Jalali, professor de Ciência Política na Universidade de Aveiro, este regresso simultâneo, “revela a importância das máquinas partidárias”. Essas “máquinas”, continua Jalali, “são necessárias para chegar ao poder interno e mantê-lo, porque ajudam as lideranças a sentir o partido e a acalmar as facções internas e, nos períodos eleitorais, mobilizam as estruturas”.
“A liderança do PS alimenta-se de uma legitimidade interna, das estruturas do partido, e é essa que nos últimos tempos está ameaçada”, acrescenta Pedro Adão e Silva, politólogo.
Jorge Coelho tem mais do que uma equivalência nessa matéria. Ele esteve na primeira linha da vitória de António Guterres, primeiro no partido, depois em duas eleições legislativas. E ainda participou activamente na maioria absoluta de José Sócrates.
Negócios e política
Relvas foi secretário-geral do PSD com Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho. Mas nunca teve, no seu partido, o mesmo peso que Coelho tinha no PS.
Mesmo agora, quando ambos regressam a funções partidárias, é mais evidente a tarefa do socialista. “Só os próximos tempos ajudarão a perceber qual vai ser a função de Miguel Relvas. Sabemos que ele é próximo de Passos Coelho, e que este cargo é uma espécie de reabilitação política, mas ainda não sei se é algo mais que isso”, interroga-se Jalali.
Miguel Relvas garante, ao Sol, que «este cargo não é um regresso à política activa». Aliás, quando o seu nome foi anunciado – para surpresa de muitos e escândalo de alguns – no Congresso do Coliseu, Relvas estava, escreve o Sol, “no Brasil, em negócios”.
Jorge Coelho vai mesmo fazer uso da sua experiência como “bombeiro”, ou “buldózer”, duas das alcunhas que ganhou nas suas lides de número dois. Sobretudo para amortecer as críticas ao seu velho amigo António José Seguro, que vêm crescendo no PS: de Ferro Rodrigues a Carlos César.
Coelho, ao contrário de Relvas, saiu do Governo em alta, demitindo-se para que “a culpa” política pela queda da ponte de Entre-os-Rios não morresse “solteira”. Continuou com um pé na política. E outro nos negócios: foi consultor da Ongoing (com quem Relvas iria negociar, muitos anos depois, no tempo dos encontros com o ex-espião Jorge Silva Carvalho), da Visabeira, da Martifer e da Jerónimo Martins. Foi sócio de Dias Loureiro num fundo imobiliário. E, entre 2008 e 2011, CEO da Mota-Engil, gigante da construção, com o qual havia negociado duas parcerias público-privadas para auto-estradas.
A carreira “privada” de Relvas tem menos alíneas. Foi administrador da Finertec, de onde saiu para o Governo de Passos Coelho, e consultor, por conta própria, na Integrabalance, e na Fundação do ex-governante espanhol, José Maria Aznar.
Em comum, nos negócios, só a atenção que prestam a Angola. E a manutenção, hoje, de empresas em nome próprio, e laços.
Ambos são amigos do banqueiro José Maria Ricciardi. E sportinguistas daqueles que insultam árbitros. E maçons, do Grande Oriente Lusitano.
Isso talvez ajude a explicar que nunca se critiquem em público.
Ajudará, essa amizade, a que os dois partidos mantenham pontes de negociação política? Será uma espécie de ensaio para o pós-troika? Ninguém parece acreditar muito nisso.
Gustavo Sampaio prevê, antes, outro tipo de vantagens: “Relvas e Coelho vão recarregar as respectivas baterias de influência política, com vista ao novo ciclo que se avizinha. Ao ajudarem os partidos a manter ou reconquistar o poder, estão a assegurar créditos. Podem não voltar a ser ministros, mas continuarão a andar por aí... “
No Convento do Beato, durante o “copo de água” de Relvas, um padre amigo benzeu as alianças do casal, depois da cerimónia civil. Não foi um casamento religioso. Mas a cena deu para uma piada, contada no Correio Indiscreto: “Dias Loureiro comentou para um grupo onde estava o socialista Jorge Coelho: ‘Olhem, é mais uma equivalência…’