Projecto europeu quer fazer as pazes entre agricultores e charcos temporários

Parecem simples poças de água mas são muito mais do que isso. Os charcos temporários dão abrigo a espécies pré-históricas que resistem faça chuva ou faça sol. Em Odemira, luta-se para manter os que restam.

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O tritão-pigmeu é um dos anfíbios que dependem dos charcos temporários para se reproduzirem Luís Sousa/DR
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O camarão-anfíbio existe nos charcos temporários de Odemira desde o tempo dos dinossauros e é uma espécie endémica daquela zona Luís Fonseca/DR
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Paula Canha/DR

“Queremos encontrar formas de compatibilizar a agricultura feita no concelho de Odemira com a manutenção destes habitats”, explica Rita Alcazar, coordenadora do LIFE Charcos. Este projecto de 1,9 milhões de euros, financiados em 75% pela Comissão Europeia, é coordenado pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN) e tem na lista de parceiros a Associação de Beneficiários do Mira, que reúne os agricultores inseridos no perímetro de rega do rio Mira.

“Esperamos conseguir mostrar-lhes que há medidas simples que permitem conservar os charcos, com benefícios para a actividade agrícola”, diz a bióloga da LPN. O projecto, que arrancou em Julho de 2013, prevê várias sessões de esclarecimento para a população e particularmente para os proprietários de terrenos, e a primeira decorre nesta quinta-feira às 14h na sede da Associação de Beneficiários do Mira, em Odemira.

Os charcos temporários, que enchem no período das chuvas e secam no pino do Verão, são considerados pela União Europeia como um dos habitats prioritários para a conservação da natureza. O LIFE Charcos visa a preservação dos charcos existentes no Sítio de Interesse Comunitário da Costa Sudoeste da Rede Natura 2000 – que coincide, em parte, com o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) –, nas charnecas do concelho de Odemira e no planalto de Vila do Bispo, onde estão alguns dos principais núcleos a nível nacional.

O objectivo é inverter a tendência de declínio: entre 1991 e 2009, aquela zona perdeu 56% dos charcos temporários. Destes, 89,3% foram destruídos por actividades agrícolas como o cultivo intensivo e a drenagem dos solos, segundo um estudo realizado por Mário Ferreira e Pedro Beja, biólogos do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto (Cibio). Muitos destes lagos naturais foram transformados em charcos permanentes, para irrigação. Outros deram lugar a estufas. E nem a criação do PNSACV impediu a sua destruição.

Mas que riquezas se escondem, afinal, nos charcos temporários? Nestas bolsas de água, cujo tamanho pode variar entre poucas dezenas de metros quadrados a um hectare, vivem crustáceos que existem desde o tempo dos dinossauros e podem dar pistas sobre como sobreviver a extremos climáticos. “A biodiversidade existente nestes lagos encerra mecanismos de sobrevivência que podem ser aproveitados pela medicina e pela biotecnologia”, observa Rita Alcazar.

Uma das espécies dependentes dos charcos é o Triops vicentinus, também chamado de camarão-girino, que apurou ao longo de milhões de anos estratégias e técnicas de reprodução para sobreviver à falta de água. Este crustáceo endémico do sudeste alentejano, considerado um dos animais mais antigos do mundo ainda vivos, cresce até sete centímetros (sem contar com a cauda), tem 70 pares de patas e três olhos. Os seus ovos podem permanecer no solo seco dos charcos durante anos, eclodindo apenas quando caem as primeiras chuvas.

Além desta espécie há outras, desde insectos a plantas, aves, mamíferos, répteis e anfíbios, que vivem e morrem ao ritmo das estações do ano. A lista é extensa: inclui o sapo-de-unha-negra, o sapo-corredor, o tritão-de-ventre-laranja, o cágado-de-carapaça-estriada e o rato de cabrera, entre muitos outros. Em comum têm uma característica: todas dependem dos charcos temporários para sobreviver. Para os anfíbios, este é mesmo o único habitat de água doce onde se encontram quase todas as espécies que ocorrem no sudoeste alentejano.

O LIFE Charcos tem também como parceiros a Câmara de Odemira, as universidades de Évora e do Algarve e o Centro de Ciências do Mar. Até ao final de 2017, os biólogos vão cartografar todos os charcos e a biodiversidade associada, estabelecer normas de gestão para a conservação destes habitats, mostrar como podem ser recuperados e até criar um banco de sementes para salvaguardar a referência genética da flora.

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