Mais homens pedem ajuda, mas vergonha impede queixa por violência doméstica

Este sábado assinala-se o Dia Europeu das Vítimas de Crime

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A 31 de Dezembro do ano passado estavam nas prisões portuguesas 287 reclusos condenados por violência doméstica Foto: Paulo Pimenta

Segundo os dados mais recentes da APAV, em 2013 registaram-se 7.271 vítimas de crimes de violência doméstica. Destas, 1.024 eram homens e dentro deste grupo estavam 618 homens com 18 ou mais anos. "Destes 618 homens adultos, 381 era vítimas de violência conjugal", sublinha a APAV. Em declarações à Lusa, Luísa Waldherr, psicóloga clínica daquela associação, disse que tem notado que nos últimos anos o número de homens que pede ajuda tem aumentado, "embora de um modo um bocadinho envergonhado". 

Um estudo das investigadoras Andreia Machado e Marlene Matos, da Universidade do Minho, feito em 2013 com 1.557 homens, mostrou que 69,7% tinham sofrido pelo menos um comportamento abusivo nos 12 meses anteriores ao inquérito e 76,4% sofreram pelo menos um comportamento abusivo ao longo da vida e 59,7% dos homens disseram ter sofrido uma agressão psicológica. Segundo Cláudia Casimiro, investigadora na área,  a violência que as mulheres exercem é ou pode ser a mesma que os homens, mas "há uma espécie de tabu sobre a mulher violenta", havendo, por isso, pouca investigação nesta área.

Segundo a socióloga, a violência praticada pelas mulheres é mais sub-reptícia e é feita de forma mais gradual junto do marido ou companheiro. "Pode corresponder a múltiplas formas, como isolar o marido da família ou dos amigos, fazer chantagem, humilhá-lo, por exemplo, em frente a familiares ou amigos, rebaixá-lo, dizer que ele, comparativamente a outros colegas, ganha pouco, tem um trabalho desqualificado, que não serve para nadam, pôr a masculinidade em causa, etc.", explicou. Um dos problemas da violência psicológica é que não deixa marcas tão visíveis como um braço partido ou um hematoma e não tem, por isso, consequências imediatas.

A opinião é partilhada pela psicóloga clínica Luísa Waldherr para quem o homem, enquanto agressor, utiliza mais a força física, enquanto a mulher a violência psicológica. "A mulher começa por desvalorizar o companheiro, desvalorizar as suas acções, agride mais ao nível da autoestima, das suas capacidades enquanto homem". Da desvalorização é fácil passar à agressão física e Luísa Waldherr explica que a certa altura a auto-estima do homem está de tal forma em baixo e entra num processo depressivo tal, que é "relativamente fácil" que a mulher o agrida.E isto faz com que os homens demorem mais tempo a tomar consciência da agressão e a apresentar queixa.

Apenas 8,9% dos 1.557 homens se assumiram como vítimas, segundo a Universidade do Minho. Com a dificuldade em assumir-se como vítima, vem a dificuldade em fazer queixa e Luísa Waldherr revela que a maior parte dos homens que recorre à APAV o faz porque estão a entrar em processos depressivos e procuram ajuda e que apenas 2% formalizam a queixa. Para a responsável, este número tão baixo está directamente ligado à vergonha que o homem sente ao ter de admitir que foi violentado ou abusado de algum modo, o que o faz sentir diminuído perante a sociedade e os seus pares.

Segundo o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, as queixas apresentadas por homens por violência conjugal "são residuais". "Temos duas mulheres em prisão preventiva por violência doméstica física grave" e "foi deduzida uma acusação em Dezembro passado contra uma mulher por violência doméstica praticada na pessoa do seu namorado", disse a procuradora Maria Fernanda Alves, em resposta escrita.

Dos homens inquiridos no estudo da Universidade do Minho, 76,4% não pediram ajuda e entre os que o fizeram, 71,4% recorreram à ajuda de amigos. Dos que recorreram à ajuda das forças de segurança (14,3%), 83,3% disseram que essa ajuda não teve qualquer utilidade, havendo igual percentagem que teve a mesma opinião em relação ao sistema de justiça. Este sábado assinala-se o Dia Europeu das Vítimas de Crime.