PGR proíbe procuradores de fazerem acordos em sentenças penais

Tribunais de primeira instância aceitaram pelo menos duas vezes este tipo de acordo, mas um deles acabou anulado pelo Supremo por falta de base legal.

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Directiva emitida por Joana Marques Vidal inviabiliza novos acordos. miguel Manso

Na quinta-feira, a Procuradoria-Geral da República já divulgara uma nota em que esclarecia que “a hierarquia do Ministério Público considera que o simbolismo do caso, as finalidades de política criminal envolvidas na sujeição dos arguidos a julgamento, bem assim como a circunstância de haver posições divergentes no seio desta magistratura quanto à questão dos acordos sobre a sentença” determinam que esse não deve ser o caminho, “até que se proceda a uma reflexão mais aprofundada sobre a matéria, que permita ao Ministério Público, no seu conjunto, assumir uma posição unitária”.

Os advogados deste processo que defenderam o acordo, Dantas Rodrigues e Artur Marques, lamentaram esta sexta-feira a directiva da PGR. "Foi um golpe profundo numa solução que não devia ser excluída por via administrativa", critica Artur Marques.

Esta sexta-feira, Joana Marques Vidal, a responsável máxima dentro da estrutura hierárquica do Ministério Público, inviabilizou esta solução em qualquer caso, pondo fim às orientações contrárias por parte da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa e da de Coimbra, que, em 2012, recomendavam aos magistrados a ponderação deste tipo de acordo. Estes implicavam que os arguidos confessassem em julgamento os crimes que lhes eram imputados após negociar com o Ministério Público o limite máximo da pena a aplicar. Ao juiz competiria controlar e comprovar a validade e a credibilidade da confissão e determinar a pena concreta, dentro dos limites acordados.

Sem se referir ao processo Remédio Santo, a procuradora-geral diz que “está em causa saber se, não existindo norma expressa no nosso ordenamento jurídico-penal, é admissível e válido o acordo celebrado com o arguido”.

E argumenta: “Aceitando que os acordos de sentença em processo penal poderão constituir uma forma alternativa de resolução dos conflitos penais adequada à prossecução de objectivos de justiça, celeridade, simplificação e economia processual, certo é que não existe no nosso ordenamento jurídico norma expressa, geral e abstracta, que os preveja e da qual possam resultar requisitos e pressupostos conformadores da sua aplicação que respeitem princípios constitucionais estruturantes do processo penal, designadamente os princípios da legalidade e da igualdade”.

Joana Marques Vidal lembra ainda as divergências entre posições assumidas por professores em direito penal e os tribunais superiores sobre a admissibilidade dos acordos de sentença. “A complexidade jurídica da questão, sugerem a necessidade de aprofundamento da reflexão sobre a mesma, designadamente quanto à posição a assumir pelo Ministério Público no âmbito das suas atribuições no exercício da acção penal”, lê-se na directiva.  

Esta questão tem sido discutida nos meios judiciais após, em 2011, o reputado professor catedrático, já jubilado, Figueiredo Dias, ter publicado o livro “Acordos sobre a sentença em processo penal – O Fim do Estado de Direito ou um Novo Princípio”. Pelo menos dois tribunais, o de Ponta Delgada e o de Vouzela, homologaram acordos deste tipo, tendo este último sido anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Num longo acórdão, no qual analisam este tipo de acordo em vários sistemas jurídicos europeus, dois juízes conselheiros acabam por considerar que o “direito processual português não admite acordos negociados de sentença”.

Costa Andrade, catedrático de Direito Penal na Universidade de Coimbra, considera “seguro que não há lei que permita acordos de sentença”, mas considera “inevitável” que se adopte este tipo de solução num futuro próximo. “Este é irremediavelmente o caminho do futuro. A justiça penal é um bem escasso, que tem que se cometer ao mais importante ”, afirma o universitário. 

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