Tratado orçamental é o inimigo que Marisa Matias quer vencer nas eleições europeias
Na II conferência do BE, dezenas de militantes criticaram falta de democracia interna, actuação da direcção e modelo “de cima para baixo” que vigora no partido.
Na II Conferência Nacional do partido, que decorre este fim-de-semana na Faculdade de Ciências, em Lisboa, Marisa Matias assumiu o “peso da responsabilidade” de suceder a Miguel Portas, cabeça de lista às europeias em 2009. A actual eurodeputada, que foi eleita em segundo lugar ao Parlamento Europeu, definiu como objectivo “o resgate das democracias contra o federalismo burocrático”. E assumiu como compromisso “rejeitar mais sacrifícios em nome do euro”.
O referendo ao tratado orçamental, que quer “vencer”, é assim um instrumento para devolver a cada um dos Estados-membros a capacidade de decidir sobre as suas políticas internas. “Aqueles que põem a mão no peito e se dizem europeístas convictos estão a destruir o Estado social. Somos europeístas, sim, europeístas de esquerda; não nos peçam é para ser eurotontos”, disse a eurodeputada.
Ao PÚBLICO Marisa Matias defendeu que seria uma grande vitória Portugal rejeitar o tratado que limita o défice e a dívida sem deixar os países respirarem políticas económicas. “Na prática, impede políticas contracíclicas e os países perdem soberania para decidir as suas políticas”, explicou.
No arranque da conferência, a coordenadora bloquista Catarina Martins também criticou a continuação do “garrote do tratado orçamental” e justificou aos cerca de 600 bloquistas inscritos na conferência a escolha pela “melhor protagonista” para a campanha que culmina nas eleições de 25 de Maio. Deixou elogios à “energia” e à capacidade de “fazer pontes” de Marisa Matias. “Orgulhamo-nos do que tem sido o património do BE no Parlamento Europeu. Orgulhamo-nos do trabalho do Miguel Portas, da Marisa Matias, da Alda Sousa. Sabemos que os nossos eurodeputados estiveram em todas as lutas, não falharam nenhuma”, justificou a líder bloquista.
Foi justamente com esse “peso da responsabilidade”, acrescido de palavras de homenagem a Miguel Portas, que Marisa Matias aumentou a pressão sobre as europeias ao definir que “nunca como hoje” o futuro do país dependeu tanto do papel que quiser ter na Europa.
Nesta conferência nacional, a segunda que o Bloco realiza em 14 anos e que decorre a cerca de nove meses da próxima convenção do partido, os bloquistas dedicam dois dias ao debate sobre aspectos de organização do partido, intervenção autárquica e programa político que apresentarão às europeias. Na abertura dos trabalhos, Catarina Martins deixou recados para dentro do Bloco. Sublinhou que nos últimos dois meses o BE tem feito um intenso trabalho de debate interno sobre a capacidade de organização do partido. Para esse esforço colectivo e como manifestação de pluralidade, disse, têm sido chamados vários independentes.
Mas as palavras da líder não chegaram para calar as críticas que ao longo do dia soaram no auditório, com dezenas de militantes a criticarem a falta de democracia interna, a actuação da direcção e o modelo “de cima para baixo” que vigora no BE.
Na moção para a organização interna, denominada Um Bloco mais participado e socialmente enraizado, apresentada por Fernando Rosas e aprovada por larga maioria, o fundador do partido falou mesmo de “um novo BE”. Rosas pediu mais “luta” política e social e “revolucionários profissionais”, senão bem pode o partido “gritar por mais militantes que eles não aparecem”.
Tal como o PÚBLICO noticiou, a direcção do BE definiu como objectivo imediato iniciar uma campanha interna para recrutar centenas de militantes. Na plateia estavam todos os dirigentes de primeira linha do partido, o ex-líder Francisco Louçã e até Ana Drago, que recentemente se demitiu da comissão política.
BE propõe desobedecer à Europa da austeridade
Na campanha eleitoral que se aproxima para as eleições europeias de 25 de Maio, um referendo ao tratado orçamental será uma das bandeiras do partido, a par da rejeição do Tratado de Lisboa. Mas não só. No programa político para as europeias, apresentado na conferência Bloco mais Forte, a candidata e eurodeputada Marisa Matias será também a porta-voz de propostas que visam alterar os estatutos do Banco Central Europeu ou que defendem a aposta em políticas de crescimento e emprego, em vez da “punição” das economias periféricas.
No manifesto Desobedecer à Europa da austeridade, que servirá de bússola para a campanha eleitoral, o Bloco coloca ainda no topo das prioridades a reestruturação da dívida e a rejeição do tratado transatlântico, actualmente em negociação entre a Comissão Europeia e os EUA – mas alheio “ao escrutínio” público dos dois lados do Atlântico, critica o partico.
Estes objectivos, admitem os bloquistas, são “extraordinariamente difíceis”, colocam “o país em confronto com as instituições europeias” e exigem “uma enorme aliança social e política”.