Sócrates critica patriarca de Lisboa quanto à co-adopção e fala de "falsidades" no caso Miró

No comentário semanal na RTP, o ex-primeiro-ministro censurou D. Manuel Clemente por este ter defendido que os direitos das minorias devem ser objecto de referendo. Sócrates também acusou o Governo de recorrer a "falsidades" no caso dos quadros de Miró e do encerramento de tribunais.

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Sócrates negou que a venda de quadros de Miró tenha sido desencadeada com o conhecimento do seu Governo Enric Vives-Rubio

“Surpreendeu-me, porque estava à espera de uma preparação teórica e intelectual que não lhe permitisse concordar com uma das frases mais infelizes que foi proferida no nosso espaço público, a do deputado que é líder da JSD que disse, num debate qualquer, que os direitos das minorias podem ser referendados”. “Esta frase é pré-moderna ou pré-democrática”, censurou Sócrates.

Em entrevista à TVI 24, D. Manuel Clemente declarou que os "direitos das minorias" devem ser referendados e "amplamente debatidos". O "benefício das crianças" é que está em causa, desenvolveu o prelado que, ainda antes de a Assembleia da República ter aprovado a proposta de referendo sobre a co-adopção de crianças por casais do mesmo sexo, declarara que a consulta directa podia ser "uma boa solução", dado que esta matéria não entrara na campanha eleitoral.

José Sócrates desenvolveu que tratar por igual as minorias, em matéria de direitos, é um princípio republicano e democrático e atirou que, nalgumas matérias, como a da orientação sexual, ainda “é preciso trocar mais ideias com a Igreja”.

O ex-primeiro-ministro também não deixou de referir que via, nestas declarações de D. Manuel Clemente, “um grande afastamento” em relação àquelas que têm sido as posições assumidas, em matéria de costumes, pelo Papa Francisco. Sócrates recordou ainda que, até aos anos 80, existia em Portugal uma discriminação legal em função da orientação sexual que “contou com a complacência da Igreja”.

Do seu púlpito do comentário político dominical na RTP, Sócrates criticou ainda o “discurso muito complacente e compreensivo quanto à política de austeridade” do patriarca, nomeadamente pelo facto de este ter observado que não houve cortes nas pensões dos mais pobres, omitindo caso do complemento social para idosos. “O patriarca não deve apoiar o Governo nem a oposição, mas deve apoiar as pessoas” a contas com a pobreza, sentendiou o comentador.

"Falsidades" no caso Miró
Sócrates também criticou duramente o Governo, acusando-o, em duas ocasiões, de recorrer a “falsidades” e à estratégia do “passar culpas” para o anterior executivo, sempre que se vê em dificuldades.

A primeira teve a ver com a polémica dos quadros de Miró, com José Sócrates a reiterar que o governo que liderou não deu início à venda das obras nem teve qualquer intervenção nos alegados e-mails trocados entre ex-responsáveis do BPN com leiloeiras sobre a alienação dos quadros.

Em abono desta tese, leu um excerto do relatório de contas da Parvalorem, relativo a 2012 e publicado em 2013, já pela administração nomeada pelo actual Governo: “O processo de inventariação, determinação da propriedade e localização das obras revelou-se complexo pela sua dispersão física e documental, pelo  que só no final de 2012 foi possível apresentar plano de actuação (…) Relativamente à colecção Miró, a tomada de posse efectiva da totalidade do portfólio ocorreu apenas no mês de Dezembro, pelo que se prevê a curto prazo o início do processo de alienação”, citou Sócrates, que entende que os quadros não devem ser vendidos, pelo menos antes da realização de um “estudo de custo-benefício”.

A outra acusação de “falsidade” ao actual Governo prendeu-se com o facto de este ter afirmado que o encerramento de tribunais já decorria do primeiro memorando de entendimento assinado pelo anterior executivo com a troika.

O ex-primeiro-ministro recordou que, nessa altura, o que estava em causa era uma reforma que passaria o número de comarcas de 54 para 39, enquanto o actual Ministério da Justiça as reduziu a 23.

E recordou que a reforma lançada em 2008 pelo governo socialista até mereceu o voto contra do PSD, no Parlamento, com o argumento que o número de comarcas se deveria manter nos 54. “Notável ausência de coerência política. O mínimo que se pode dizer é que as pessoas foram enganadas, porque o PSD candidatou-se [nas últimas legislativas] dizendo que iria manter as comarcas”, enfatizou Sócrates.
 

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