Concurso com facturas no Brasil foi referência para sorteio do fisco
Há várias experiências de concursos fiscais em países da América Latina, Taiwan, China ou Eslováquia.
Na América Latina, há experiências de concursos com facturas em vários países. Segundo a informação cedida ao PÚBLICO pela consultora PWC, já houve programas semelhantes na Argentina e Colômbia, e também em Porto Rico as autoridades tributárias lançaram concursos regulares em dinheiro e carros para premiar a “cidadania fiscal”. Para além desta região, há ainda os casos da China, com raspadinhas e lotarias de facturas, e de Taiwan, onde esta é uma tradição enraizada, que começou há 63 anos. Na Europa, a Eslováquia iniciou sorteios no ano passado.
No caso do Brasil, o concurso da “nota fiscal paulista” é mensal e atribui três prémios, que este ano variam nos meses regulares entre 20 mil reais (6,1 mil euros) e 50 mil reais (cerca de 15,3 mil euros). Ao longo de 2014, por exemplo, haverá alguns meses em que os valores são mais altos, chegando o primeiro prémio aos 200 mil reais (147,6 mil euros) em cinco sorteios e a um milhão de reais (738 mil euros) no último concurso do ano, segundo o calendário publicado pela Secretaria da Fazenda daquele estado brasileiro. Como acontecerá no caso português, também aqui o montante de facturas é convertido em cupões: cem reais (30,5 euros) dão direito a um cupão numerado.
Para participar na “nota fiscal paulista”, os contribuintes têm de se registar no sistema criado pela autoridade tributária local e aderir ao regulamento, bastando que a inscrição seja feita uma vez para ser válida para todos os sorteios. Quem tiver uma conta pode consultar os cupões gerados automaticamente a partir do montante acumulado pelo contribuinte. O processo português é semelhante ao descrito sobre o concurso português pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio.
Já em Taiwan, onde a lotaria fiscal foi lançada em 1951, são atribuídos prémios em dinheiro nas lotarias agendadas para os dias 25 de cada mês ímpar do ano (Janeiro, Março, Maio, Julho, Setembro e Novembro). Segundo informação da PWC, os prémios podem chegar aos 200.000 novos dólares de Taiwan (cerca de 4850 euros), havendo ainda um prémio especial de dez milhões (cerca de 242 mil euros).
Sublinhando que Taiwan “introduziu uma lotaria sobre o imposto de vendas em 1951 e nunca abandonou este sistema”, o presidente da Associação Fiscal Portuguesa, Rogério Fernandes Ferreira lembra ao PÚBLICO por email que se verificou que “os contribuintes acabavam por denunciar os agentes económicos que não emitiam as facturas que serviam de base aos sorteios” ou deixavam mesmo de comprar bens “junto desses agentes”.
“Entusiasmo” na Eslováquia
Na União Europeia, para além de Portugal, o único caso identificado a partir de informação cedida ao PÚBLICO pela PWC foi o da Eslováquia, onde a experiência ainda é recente, tendo arrancado apenas no ano passado com dois sorteios baseados em números de identificação das facturas. Segundo dados desta consultora, há dois tipos de sorteios — um realizado de 14 em 14 dias (com prémios em dinheiro) e outro de 28 em 28 dias (com a atribuição de dez mil euros ou de um carro).
Sobre este sorteio, o presidente da Associação Fiscal Portuguesa nota que “o entusiasmo dos contribuintes com estes sorteios tem sido tal, que, nos meses de Setembro e Outubro de 2013, o Estado eslovaco viu a sua receita de IVA aumentar em cerca de 130 milhões de euros”. Nesse período, adianta, foram reportados cerca de 3000 casos de recusa de emissão de factura ou de facturas falsas que permitiram aumentar o número de inspecções por parte da autoridade tributária.
“Rifa” ou prémio à cidadania fiscal?
Tendo em conta as experiências de outros países, acentua, “goste-se ou não”, este tipo de medidas parece ter “impacto no combate à economia paralela e na prevenção da evasão fiscal”.
Visão diferente tem o bastonário da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, que discorda da realização de um sorteio, considerando-o um “processo desenquadrado” que reduz um “acto de cidadania” a uma rifa. “A cidadania cumpre-se, não se premeia”, reage Domingues de Azevedo em declarações ao PÚBLICO. Para o bastonário, em vez de se promover a “apetência para o cumprimento” do acto fiscal, “está-se a caminhar para um folclore”.
Se, para o presidente da Associação Fiscal Portuguesa, “muito provavelmente, os contribuintes agirão no seu próprio interesse pessoal, sem consciência da importância que o mero exercício dos seus direitos e deveres, a nível tributário, poderá ter no combate à evasão fiscal”, por outro lado, também é possível que as pessoas fiquem “mais motivadas para exigirem a emissão de factura, essencial à eliminação da economia paralela e à proliferação de contribuintes cumpridores”.
O Governo rebate as críticas e contrapõe com aquilo que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz ser uma medida eficaz para combater a economia paralela para, com isso, aumentar a receita fiscal. Quando, nesta quinta-feira, foi confrontado com as críticas, Paulo Núncio repetiu os argumentos sobre a necessidade de combater a economia paralela. Um problema que, considerou, “não é um fenómeno só de países subdesenvolvidos”. O secretário de Estado adiantou ainda que Espanha está a avaliar “o programa e-factura” para eventualmente “seguir o bom exemplo português”.