Mar do Furadouro destruiu marginal e cuspiu areia, pedras, madeiras e peças de cimento
Uma das zonas que mais sofre com a erosão costeira está sem barreira de protecção. Obras prometidas pelo ministro ainda não começaram.
Em 1979, o mar já tinha partido a montra do seu café, mas “escorregou” mais para sul e não provocou muitos estragos. No último domingo, foi diferente. O mar bateu de frente, rebentou com a porta da cozinha e levou tudo à frente. Emília Cunha levantou-se às cinco da manhã com a má notícia. O marido, pressentindo que algo se passava, tinha-se levantado pouco antes para perceber se as previsões seriam piores do que o anunciado. Escapou da primeira onda, mas na segunda, quando tentava proteger o material da esplanada, foi projectado contra a parede e ficou ferido numa perna. Mesmo assim, tentou endireitar o café nas horas que se seguiram. Os electrodomésticos foram empurrados contra a parede, havia areia por todo o lado. No chão da cozinha, estavam duas bases de cimento de guarda-sóis arrastadas mais de 10 metros. “Hoje [segunda-feira] vai ao hospital ver o que tem na perna”. Emília Cunha não quer falar de prejuízos. “O mar tem estado feroz e há 10 dias que está de frente, não anda nem para o Norte nem para o Sul”. E não sabe o que mais pode ser feito naquela praia que está permanentemente em obras de protecção. “Trazem pedrinhas e mais pedrinhas. A nossa praia encolheu muito em pouco tempo. A natureza é impressionante, não há regras”.
No domingo, o Furadouro não teve descanso num cenário de destruição nunca antes visto e que atraiu muitos curiosos. Os trabalhos de limpeza durarão mais dois dias com 30 funcionários da autarquia que enchem carrinhas de areia e tentam restabelecer a ordem da marginal. Os cálculos dos prejuízos ainda não estão feitos, mas a câmara revela que só para recuperar a marginal serão necessários 2,5 milhões de euros.
Ana Cruz dormia quando lhe ligaram. Saltou da cama com o coração nas mãos, vestiu-se à pressa, saiu num ápice em direcção à sua pizzaria em frente ao mar. Correu pela avenida acima e, pelo caminho, viu as protecções de madeira que tinha colocado na montra a boiar pela rua. Ainda viu a segunda onda. Protegeu-se na entrada de um prédio, viu a água inundar novamente a rua, molhou os pés. “Nunca vi tal coisa, a onda a bater no muro”. Ficou assustada e, baixinho, chamou o mar de “monstro”. “Parecia um terramoto”. Na pizzaria, o mar tinha rebentado com o portão da garagem.
Depois do susto, Ana Cruz não consegue dormir descansada. “Este ano, o mar está muito pior. O que se poderá fazer? Fazer mais paredões? O problema é que se prejudica outros lados e vai ser sempre assim”. Na sua opinião, evacuar a primeira linha da praia não será de descartar. “Pode ser uma solução, mas só daqui a muitos anos”.
“Foi a onda mais forte de sempre”, garante Renato Reis. Não a viu, mas percebeu a sua força quando se deparou com os estragos. “Estes bancos de jardim, que devem pesar 500 quilos, foram arrastados 80 metros, um carro também foi arrastado e só parou quando bateu no passeio”, conta enquanto arruma a esplanada do seu café ainda cheia de areia com vista para uma marginal destruída. “As protecções até têm resolvido alguma coisa, a ondulação é que tem sido mais forte”, refere o comerciante que, ainda assim, não teve prejuízos.
Testar novas soluções
A Câmara de Ovar não esperará pelo Governo para proteger a marginal do Furadouro. A construção do muro de protecção avançará ainda esta semana. “Vamos reconstruir o muro, aproveitar o material possível, e betonar”, adianta Salvador Malheiro, presidente da câmara. Nesta terça-feira serão feitos os cálculos da obra que será imediatamente adjudicada. A autarquia assume a empreitada e espera que a factura seja paga pela administração central. “Não podemos estar à espera da intervenção do Governo e vamos avançar de imediato. Neste momento, não temos qualquer barreira à entrada do mar”, refere.
No início deste ano, há menos de um mês, o ministro do Ambiente, Moreira da Silva, visitou a costa de Ovar e prometeu obras urgentes no Furadouro, Esmoriz, Cortegaça e Maceda, num valor de três milhões de euros. Essas obras, sobretudo de reforço das defesas aderentes, ainda não começaram. Salvador Malheiro revela que tem indicações de que as questões burocráticas, que estarão a travar o início dos trabalhos, serão desbloqueadas em breve. Na sua opinião, é preciso, no imediato, pensar nas “defesas aderentes que estão completamente estragadas e que já não cumprem a sua função”. E, depois, pensar no futuro, “em testar novas soluções”.
Ondas também causam prejuízos na praia da Barra
Em Ílhavo, mais concretamente na praia da Barra, o mar também avançou até à estrada causando alguns prejuízos. A água arrastou o mobiliário de esplanada de dois bares situados no início do paredão desta praia e destruiu parte do passadiço que foi construído sobre as dunas — e que tinha ficado suspensa durante o temporal do passado mês. “Isto quer dizer que a duna primária está a ficar perigosamente muito estreita e urge fazer algo com urgência”, alerta Fernando Caçoilo, presidente da autarquia ilhavense.
Ontem mesmo, o autarca reuniu no local com elementos da Agência Portuguesa do Ambiente para vincar aquilo que já havia transmitido ao ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, aquando da sua deslocação a esta praia ilhavense, para apurar os estragos causados com o mau tempo de Janeiro. “O sr. ministro prometeu avançar com um enchimento de areia, mas isso não será suficiente para resolver o problema em definitivo, porque urge cortar esta corrente erosiva”, vincou ao PÚBLICO.
Segundo referiu ainda Fernando Caçoilo, está já prevista, no âmbito da revisão do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, a construção de um novo esporão na Barra — de forma a travar essa corrente. “É preciso que essa obra seja feita ou que se encontre uma outra solução definitiva”, sublinhou.
Também na Costa Nova, a outra praia do município de Ílhavo, o mar chegou a avançar até à estrada, mas “sem causar prejuízos, nem tanta preocupação como na Barra”, acrescentou o autarca. Com Maria José Santana