Corrupção afecta o dia-a-dia de mais de um terço dos portugueses
Comissão Europeia diz que não há uma estratégia nacional de luta contra a corrupção e recorda que este crime custa à economia de todos os Estados-membros cerca de 120 mil milhões de euros por ano.
Apesar das iniciativas e novas leis “não existe em Portugal uma estratégia nacional de luta em vigor contra a corrupção”, acusou Bruxelas, que incita o país a apresentar um registo de resultados comprovados dos processos judiciais. A comissão diz que o “exercício efectivo da acção penal nos casos de corrupção de alto nível continua a ser um desafio”. E cita dados da Procuradoria-Geral da República e do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) para justificar o diagnóstico: apenas 8,5% de um total de 838 casos investigados por corrupção entre 2004 e 2008 resultaram em decisões judiciais, que foram, por sua vez, conhecidas até 2010.
Neste período, apenas 6,9% mereceram uma condenação na primeira instância e a média de duração dos processos variava entre 14 meses em 2007 e 12 meses em 2011. “Há exemplos de casos que envolvem suspeitas de alto nível de corrupção ou financiamento ilegal de partidos em que os procedimentos judiciais demoraram mais de seis anos”, lamenta Bruxelas. A Comissão Europeia defende que Portugal tem de preparar os tribunais, o Ministério Público e as “autoridades coercivas” para lidarem com estes casos.
Exemplos mediáticos não faltam. Apito Dourado, Freeport, Submarinos, Taguspark e Face Oculta são alguns dos casos de corrupção investigados pela Justiça portuguesa e apenas num deles, o primeiro, foram condenados a maioria dos suspeitos de corrupção, neste caso todos ligados ao futebol português.
Lento corre o processo dos submarinos. Há quase oito anos que o Ministério Público investiga as circunstâncias em que o Estado português comprou ao consórcio alemão GSC dois submarinos, existindo suspeitas de que os representantes do Estado conduziram as negociações e celebraram o contrato de aquisição de forma a favorecer o consórcio alemão, por este lhes ter proporcionado vantagens patrimoniais relevantes. O caso corre o risco de prescrever.
Ainda em aberto está o desfecho do processo Face Oculta. O caso vai entrar nas alegações finais, estando prevista uma decisão do colectivo de juízes até ao Verão. Este caso de corrupção centrado num empresário da sucata de Ovar, Manuel Godinho, chegou até várias personalidades da vida pública, como o ex-ministro Armando Vara ou José Penedos, então presidente de uma das mais importantes empresas nacionais, a REN. Mas após a decisão da primeira instância, já se adivinham inúmeros recursos, que prometem impedir encerrar o caso
Divulgar património de funcionários a nível local
Na lista de recomendações de Bruxelas, está ainda a adopção de medidas preventivas contra as práticas de corrupção no financiamento dos partidos e a existência de códigos de conduta aplicáveis aos funcionários públicos eleitos. A Comissão sugere também “que sejam realizados esforços suplementares para responder adequadamente aos conflitos de interesses e para divulgar o património dos funcionários a nível local”.
“A transparência e os mecanismos de controlo dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos devem ser reforçados. Além disso, Portugal deve identificar os factores de risco de corrupção nas decisões de planeamento urbano local”, defende Bruxelas. Outra das questões levantadas no documento, prende-se com a falta de mecanismos protecção a quem denuncia más práticas, e a inexistência de leis que regulem a actividade de lobistas e o seu contacto com entidades oficiais.
Reagindo ao documento, a associação cívica TIAC - Transparência e Integridade diz que o problema do país são as "reformas para inglês ver que não trouxeram mais eficácia ao combate à corrupção". "Portugal gosta de mudar leis e criar organismos em resposta a avaliações internacionais, mas na prática pouco muda. Infelizmente, as autoridades portuguesas são muito lestas no plano formal mas muito ineficazes em termos de resultados", diz a direcção da TIAC, em comunicado.
Já o Conselho de Prevenção de Corrupção (CPC) preferiu destacar as “referências positivas” do relatório a algumas das recomendações feitas por este organismo, nas áreas da prevenção nas entidades públicas, sobre conflitos de interesse ou no que toca à definição das grandes áreas de risco, onde se inclui a fiscalidade e a contratação pública. Ainda assim, o CPC lamenta que não tenha tido uma participação “mais activa e atempada” para a elaboração do relatório de Bruxelas, “uma vez que dispõe de elementos muito úteis que permitem caracterizar a corrupção”.
Obstáculo às empresas
A julgar pelos dados do Eurobarómetro, citados no relatório, para 90% dos portugueses a corrupção é generalizada, uma das percentagens mais elevadas entre os 28 Estados-membros (ver infografia). Para 72%, o problema piorou nos últimos três anos.
Mais de um terço dos inquiridos garantem que são afectados no seu dia-a-dia pela corrupção (26% na UE). Mas quando questionados sobre as suas experiências directas, apenas 1% admitem que lhes foi solicitado o pagamento de um suborno em 2013 (a média europeia é de 4%).
Na Europa, quatro em cada dez empresas consideram que este é um obstáculo à sua actividade empresarial, valor que sobe em Portugal: 68% dos inquiridos dizem que a corrupção é um "problema sério ou muito sério". Quando questionados sobre se práticas de favoritismo são problemas para as empresas, 57% dos portugueses responderam que sim, acima da média europeia (41%).Para 87%, o favoritismo dificulta a concorrência entre empresas; e 79% garantem que subornos e o uso de contactos são, com frequência, formas mais fáceis de aceder a determinados serviços públicos (69% na Europa).
Para 60%, a única forma de conseguir ter sucesso nos negócios é mesmo através de ligações políticas.
Pelas contas de Bruxelas, a corrupção custa à União Europeia cerca de 120 mil milhões de euros por ano e o problema está longe de se resolver (ver texto ao lado). “Tanto a natureza como o nível de corrupção, assim como a eficácia das medidas tomadas para a combater, variam consoante o Estado-Membro”, lê-se no relatório.