O futuro da RTP e as reviravoltas do poder

O futuro pode ser uma incógnita, mas a governamentalização da RTP é uma certeza. Outra vez.

A discussão parlamentar começa só na próxima sexta-feira mas, como é habitual no que toca à RTP, a discussão já começou antes, nos fóruns de opinião e na praça pública. Não há ainda dados concretos quanto ao futuro (o que vai ser discutido é um “esqueleto” do que a empresa poderá vir a ser) mas, extraordinariamente, aquilo que se anuncia como o início da desgovernamentalização só o será na aparência. O Governo terá pelo menos metade do poder decisório no novo conselho geral independente que ele próprio criará (e que, a despeito do título, vai continuar dependente dos seus ditames), isto além de nomear a totalidade dos membros que vierem a compor a assembleia geral. Para começo de “independência” não está mal. É como oferecer uma bandeira nova a um território “libertado” e continuar a mandar nele através de líderes impostos a contragosto.

Como se isto não bastasse, o novo contrato de concessão de serviço público continua a aguardar decisão final para seguir adiante, mas tem inscrito no seu próprio texto que entraria em vigor a 1 de Janeiro (ou seja, há um mês atrás), dando ainda à concessionária 90 dias para aplicar os programas ao que nele se estipula. Tudo fora de prazo, como de costume. Porém, enquanto a burocracia não desenvolve e o poder governamental aperta, uma coisa fica desde já assente: o polémico aumento das taxas (quem o admite é o ministro Poiares Maduro, em entrevista nesta edição) vai servir não apenas para pagar a futuros despedidos da televisão pública (na tal “reestruturação” que se anuncia) como também para sustentar os canais internacionais que o Governo acha indispensáveis no futuro.

Dito isto, dá a impressão de que estamos sempre a voltar a discussões já feitas, a caminhos já tentados e abandonados, a qualquer coisa que anda mais ao sabor dos ventos do que de uma estratégia clara e um objectivo credível. Enquanto isto, com clara noção das conveniências, o actual presidente da RTP, Alberto da Ponte, deu uma gigantesca entrevista à revista de televisão comum ao DN e ao JN (a Notícias TV) para dizer, entre muitas outras coisas que podem ser relevantes no devido contexto, o que qualquer gestor ou administrador poderá desabafar em conversas de café: que na televisão pública não há “vacas sagradas” (a expressão era do entrevistador mas ele adoptou-a, sem problemas) e que “há gente na RTP que não trabalha puto” (e aqui sim, a expressão já é dele). Não é ele que o diz, claro, são os próprios colegas, que naturalmente ele não identificará mas assim já se fica com uma ideia de que, mais do que uma estratégia, a RTP precisa de um “panzer” que varra o edifício. Com tantas páginas ocupadas na revista, percebe-se que Alberto da Ponte quer ser esse “panzer”, se o serviço lhe for devidamente confiado. Saberá ele por onde vai, ou o que quer, com tal discurso? Mais uma vez, há-de ser o Governo a ter a última palavra, como sempre tem. Mesmo que seja uma palavra coxa e titubeante. Sexta-feira a guerra vai recomeçar.
 
 

Sugerir correcção
Comentar