Há quase duas mil pessoas à espera de um transplante de rim
Entre 20% a 40% dos órgãos são rejeitados porque o potencial dador sofre de uma patologia que se desconhecia, sobretudo doenças infecciosas como o HIV ou hepatites, ou então cancro.
Em 2009, Portugal teve 329 dadores de órgãos (uma taxa de 31 dadores por milhão de habitantes). Desde então, este número não parou de descer, com a queda mais acentuada a acontecer em 2012, em que apenas houve 252 dadores (o que dá uma taxa de 23,9 dadores por milhão de habitantes), o que se traduziu na colheita de 749 órgãos para transplantes (entre rins, fígado, coração, pâncreas e córneas).
Para Ana França, os números de 2013 — em que houve mais 17% de dadores — são a prova de que se está a conseguir interromper a quebra. A descida foi atribuída, em parte, ao corte dos chamados incentivos, verbas que são atribuídas pelo Ministério da Saúde aos hospitais como pagamento dos transplantes efectuados. Mas, para a responsável, o grande problema está ainda do lado da colheita. Para que os cirurgiões possam transplantar órgãos há um complexo processo que começa numa urgência de um hospital ou numa unidade de cuidados intensivos, onde vão parar os doentes em estado crítico que poderão ser potenciais dadores de órgãos. Quem tem que detectar e sinalizar estes casos são as equipas destes serviços, com destaque para médicos de medicina intensiva. O hospital que detecta estes casos terá que, depois do diagnóstico de morte cerebral, de manter o doente ventilado durante pelo menos 24 horas para que a colheita se possa fazer.
O problema é que as verbas actualmente pagas aos hospitais que colhem não são suficientes para cobrir os custos, assinala Ana França. Estima que cubram quando muito 60% dos custos efectivos, que envolvem o pessoal de saúde, exames e análises, ventilação. “Cada vez que têm um dador, os conselhos de administração dos hospitais perdem dinheiro”, admite Ana França, por isso muitos desinteressaram-se de actividade e deixaram de a fazer, assinala.
O Ministério da Saúde tem nas suas mãos uma proposta que pretende tornar mais realista a atribuição de verbas na colheita, diz. “A missão primeira é apoiar a doação”. A ideia é também que estas verbas sejam atribuídas de forma igual quer a colheita ocorra numa unidade privada ou pública. Os privados, por imposição de uma directiva europeia, entram agora na equação. Todas as unidades com ventilação são obrigadas a identificar dadores de órgãos. Até agora, só o Hospital da Luz, em Lisboa, fez uma colheita, informa.
A queda abrupta do número de dadores para transplante verificada em 2012, o pior número dos últimos cinco anos, deveu-se, segundo a responsável também a mudanças institucionais na área: foi extinta a Autoridade para os Serviços do Sangue e da Transplantação, a competência desta área passou então temporariamente para a Direcção-Geral de Saúde e só depois para o agora Instituto Português do Sangue e da Transplantação. “É uma actividade que precisa de ser acompanhada e incentivada, foi isso que faltou em 2012. É um dos factores que levam à desmotivação profissional numa actividade que implica uma procura incessante”.
Ana França lembra que, mesmo quando são sinalizados potenciais dadores, muitas vezes a posteriori, descobre-se que os órgãos não são aproveitáveis para transplantes porque os doentes sofrem de doenças infecciosas, como hepatite ou HIV, ou têm cancro. Por resolver continua a uniformização das regras de atribuição de verbas para transplantes nos hospitais públicos, em que continua a haver “desigualdades entre hospitais e mesmo dentro dos hospitais”, dizia um relatório do actual secretário de Estado da Saúde em Junho do ano passado. Esta questão continua em estudo, diz a responsável.