Selma Uamusse traz até nós o espírito de Nina Simone

A cantora com quem nos deparámos nos WrayGunn leva o concerto Young, gifted and black a Coimbra e a Almada

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Depois dos concertos, Selma Uamusse concentrar-se-á na sua própria música, que conheceremos num álbum a solo a editar ainda no primeiro semestre de 2014 DR

Agora, no final destes concertos baptizados Young, gifted and black, título de um dos hinos de Nina Simone, Selma já se habituou a que lhe digam: “Quando entras em palco pareces uma menina e depois transformas-te numa fera”. Foi isto que mudou: “Uma interiorização do espírito de Nina Simone que tem sido gradual e intensa. Não só eu, mas a banda que me acompanha, assumimo-nos como Nina Simone”. Que quer isto dizer? Que, tal como tão bem explicou em canto, nas notas do piano e na vida a cantora nascida na Carolina do Norte em 1933, uma canção é um palco para “as nossas dores, os nossos males e as nossas paixões mais viscerais”. Que se em 2009 Selma Uamusse estava preocupada “apenas” (as aspas são nossas) em cantar bem aquela que é uma das suas referências maiores, a sua maior preocupação neste momento é “transmitir a mensagem, mostrar o que ela dizia na altura e os paralelismos com situações actuais com as quais convivemos diariamente”.

Além de uma banda formada por Augusto Macedo (baixo), Daniel Hewson (teclas), Gonçalo Santos (bateria), João Cabrita (saxofone), Nataniel Melo (percussões) e Nuno Reis (trompete), juntam-se a Selma Uamusse alguns convidados: em Coimbra, Marta Ren, Raquel Ralha e Toni Fortuna, vocalista dos d3ö; em Almada, Márcia, Paulo Furtado e o Gospel Collective.

Dona de uma voz ágil e expressiva, tão à vontade na espiritualidade latente do gospel como entre o fogo rock’n’roll dos WrayGunn, Selma Uamusse está neste momento a dar os últimos retoques no seu primeiro álbum a solo. A experiência de levar a palco canções como Young, gifted and black ou Revolution, a imersão no universo de uma cantora que transportava tão totalmente para as canções que compunha ou interpretava as suas paixões, os seus demónios, as suas lutas (contra a segregação racial, pela emancipação feminina), acabou, de certa forma, por exercer o seu efeito no álbum que chegará no primeiro semestre deste ano. Não de uma forma óbvia. O poder de Nina Simone é de outra dimensão. “Este disco foi um reencontro comigo mesma. Para além do jazz ou do lado mais moderno das electrónicas, fui buscar o que há de Moçambique em mim” – Selma Uamusse nasceu em Moçambique, vindo para Portugal aos 7 anos. “A Nina”, diz, “ajudou-me a assumir mais fortemente a questão da africanidade. Ela mesma ua buscar muitos sons de África ou das Caraíbas para as suas canções”. Não espanta, portanto, que a única canção do álbum em preparação não assinado por Selma seja um tradicional moçambicano que a acompanhou enquanto crescia, Ngono utana vuna.

Actualmente a residir em Bruxelas, Selma Uamusse vê estes dois concertos como o encerrar de um ciclo, antes de se concentrar nas suas próprias canções. Não deixará de cantar Nina Simone. Mesmo que deixasse, de resto, ela continuaria consigo. São de hoje as canções que a “High Priestess of Soul” [“Grande Sacerdotisa da Soul”], cuja morte levou em 2003, cantava há quatro décadas. “A história não pode ser esquecida. É fácil voltar a cometer os mesmos erros se não a relembrarmos. Só por isso seria importante cantar o repertório dela. Faz-nos lembrar que não podemos deixar de reivindicar o que são os direitos que conquistámos”. E põe-nos perante algo de absolutamente intemporal: “O tema eterno do amor, da dor do amor, da paixão e do desconsolo”.

Uma força imensa e uma fragilidade desarmante. Voz de Selma Uamusse. Espírito de Nina Simone.

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