Carta aberta de intelectuais europeus alerta para os riscos de voltar as costas à Ucrânia
“Ainda não é tarde demais para mudar as coisas e evitar que a Ucrânia se transforme numa ditadura”, alertam os subscritores de um manifesto sobre o futuro do país.
“Os ucranianos defenderam a sua democracia e o futuro há dez anos, durante a revolução Laranja, e hoje estão novamente a lutar por esses valores”, observam os subscritores do manifesto – reputados académicos e investigadores, jornalistas, escritores, diplomatas, antigos governantes, activistas políticos e vários dissidentes de países da Europa Central e de Leste que estiveram envolvidos na revolução de 89. E apesar de muitos europeus se sentirem “desencantados” ou desiludidos com o projecto europeu, “as pessoas na Ucrânia estão a lutar por essa ideia e pelo seu lugar na Europa”, prosseguem. “Não podemos virar-lhes as costas”, lê-se.
Como notou ao PÚBLICO Carlos Gaspar, do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova de Lisboa, um dos subscritores portugueses do documento (o outro é o antigo comissário europeu António Vitorino), a iniciativa conjunta surge de uma preocupação colectiva desta rede de intelectuais com a brutalidade com que o Governo ucraniano respondeu às manifestações – “preocupação essa que é inseparável da deriva autoritária e do alinhamento preferencial com a Rússia”, acrescenta.
“Os europeus deixaram de acreditar na Europa, mas os ucranianos ainda acreditam”, diz Gaspar, como demonstram as sondagens em que uma expressiva maioria da população se manifesta a favor da assinatura do acordo de associação com a União Europeia e a integração do país no bloco comum.
O abaixo-assinado critica a passividade dos países e autoridades europeias perante a deriva autoritária do Presidente Viktor Ianukovich, mas considera que “ainda não é tarde demais para mudar as coisas e evitar que a Ucrânia se transforme numa ditadura”. Esse objectivo, argumentam os signatários, é fulcral para os interesses europeus: o novo rumo da política de Kiev, traçado em colaboração com o Kremlin, representa uma ameaça à integridade moral e institucional da União Europeia.
Nesse sentido, consideram que além de medidas económicas e diplomáticas dos Estados individualmente e da União Europeia, o bloco aliado deve pensar noutras “iniciativas democráticas e independentes para defender as vítimas da repressão, apoiar a sociedade civil e fortalecer os media independentes”. “A qualidade de qualquer democracia depende, em larga medida, daquilo que os cidadãos sabem sobre o seu país e o mundo”, lembram, lamentando a inexistência de um sector mediático independente e pluralista na Ucrânia.
Os subscritores do manifesto não têm exigências, apenas considerações: a sua iniciativa é um alerta para os riscos do presente e os desafios do futuro na Ucrânia, que esperam seja escutado pelos actores políticos na Europa e na Ucrânia. A repercussão internacional “é importante para os responsáveis políticos ucranianos, mas também para o movimento de oposição, que sabe que não está isolado. O apoio além-fronteiras, muito importante no passado na experiência da luta contra regimes autoritários, continua a ser importante”, refere Carlos Gaspar.
Desde a semana passada, quando começou a ser divulgada, a carta aberta tem sido publicada em vários meios europeus e, significativamente, no blogue Euromaidan, criado pelo auto-intitulado secretariado de relações públicas do quartel-general da resistência nacional em Kiev para reportar os acontecimentos da “eurorevolução”.