Mercado publicitário digital foi o único a crescer em quota e valor nos últimos anos
Num ano em que vão surgir novos projectos online, discute-se o futuro dos jornais em papel e o sucesso das apostas no digital.
Em declarações à Lusa, o presidente da OmnicomMediaGroup, Luís Mergulhão, sublinhou que o digital "tem vindo a crescer de forma sistemática" e já conquistou o 3.º lugar no ranking das receitas publicitárias a preços correntes, depois das televisões, da imprensa não-diária e do exterior, estes dois últimos em ex aequo. Isto num momento em que o Expresso anunciou que vai lançar uma edição diária digital para tablets e assinantes online, em que vai chegar ao mercado o jornal digital ObservadorOnTime e se vislumbra a criação de um The Huffington Post português.
Enquanto o investimento publicitário no digital aumentou de 16,6 milhões de euros em 2007 para 40,6 milhões de euros em 2013, as receitas publicitárias totais a preços correntes (inclui televisões, cabo, imprensa, rádio, exterior, cinema e Internet) caíram 43%, de 806,5 milhões de euros para 463,2 milhões de euros, no mesmo período.
A televisão generalista, líder na atracção de publicidade, seguiu a tendência e viu as suas receitas publicitárias caírem 42% (de 382,6 para 222,8 milhões de euros) nos últimos seis anos, mas Luís Mergulhão destaca "o mérito" da manutenção da sua quota de mercado (48%), não obstante o crescimento no online e televisão por subscrição, cuja quota de mercado tem vindo a crescer, situando-se actualmente nos 7,5%, apesar de sofrer também a quebra do mercado total.
No exterior, as receitas publicitárias recuaram mais de metade (de 106,2 para 51,7 milhões de euros), mas pior estiveram a imprensa diária (onde desde 2012 se inclui o Expresso e o Sol), com o investimento publicitário a cair 62,7% (de 69,5 para 25,8 milhões de euros), e a não-diária (revistas) de 64,2% (de 114,4 para 51,7 milhões de euros).
Quanto à imprensa, Luís Mergulhão explica que "de alguma forma aquilo que a imprensa diária perde de investimento na versão offline consegue recuperar no online", como fizeram o Expresso, Correio da Manhã, PÚBLICO, a Bola, Record, Jornal de Negócios, entre outros. Já o Diário Económico optou por um crescimento para televisão. É que a lógica de um grupo de media hoje, acrescenta, "não é a de uma holding que é detentora de vários jornais, revistas, rádios, canais de televisão, mas de alguém que produz conteúdos, informação ou entretenimento, para difundi-los no maior número possível de plataformas de comunicação.
Caracterizando o actual comportamento do consumidor como o do “ecrã extensível”, Luís Mergulhão prevê que o peso do investimento na área digital vai continuar a crescer, até porque os únicos sectores que não são concessionados pelo Estado são a imprensa e a área digital, sendo aí "natural o lançamento de novos projectos" e "a transformação de conteúdos em novas marcas". É o caso do novo jornal diário digital do Expresso, que será conhecido no primeiro semestre deste ano, e que, segundo o especialista, “é um lançamento inteligente para defender uma posição de liderança e notoriedade que [o jornal] tem numa determinada área, inovando e maximizando as capacidades instaladas”.
No caso do ObservadorOnTime ou da versão portuguesa do The Huffington Post, ou outros projectos digitais que surjam, Luís Mergulhão diz que se trata de projectos "que, se ganharem massa crítica e credibilidade, têm capacidade para novos voos, agregando investidores que avancem para outros sectores importantes do mercado dos media, como a imprensa e as televisões".
Depois da mais forte queda dos últimos 30 anos em 2012, as quebras totais do mercado publicitário total começam, no entanto, a atenuar-se. Em 2012, a queda face ao ano anterior atingiu os 17,8%, mas em 2013 abrandou em termos homólogos para 8,8%, "o que significa que, nos últimos meses do ano passado, se verificou uma inversão clara da tendência", conclui Luís Mergulhão, prevendo para 2014 que o mercado continue a atenuar as quedas, chegando mesmo a crescimentos mensais positivos no final do ano.
É um mito que online seja menos credível que o papel
Os criadores dos novos projectos digitais do Expresso e ObservadorOnTime dizem que é possível fazer jornalismo credível no online e consideram "um mito" a ideia de que a informação séria está nos jornais em papel. "É um mito que a seriedade está no papel e a superficialidade no online", disse Pedro Santos Guerreiro, director executivo do Expresso e responsável pela edição diária para tablets e assinantes online que será conhecida no primeiro semestre deste ano.
Pedro Santos Guerreiro explicou que durante muitos anos os meios de comunicação social "protegeram a qualidade de informação para os suportes tradicionais e davam velocidade e superficialidade nas plataformas online", uma realidade que está a evoluir, com a maior aposta nos digitais e a cada vez maior migração de leitores para esta área. Contudo, sublinha o jornalista, e antigo director do Jornal de Negócios, "um jornal é credível em função do jornalismo que pratica, independentemente da plataforma em que é distribuído", sendo que "os jornalistas já perceberam isso, os leitores já perceberam isso e os anunciantes também".
"Os últimos a fazer a mudança são as fontes. Pedir uma entrevista a um ministro tem mais probabilidade de ser aceite se for para o papel do que se for para online. Mas até isso vai rapidamente mudar. A seriedade não tem a ver com o suporte", reiterou. A razão pela qual os novos projectos são online e não em papel, acrescentou, "é porque aí é que estão os leitores e o crescimento da publicidade".
Para José Manuel Fernandes, publisher do ObservadorOnTime, projecto digital que deverá ser lançado na primeira metade deste ano, "a aposta no online é a área de comunicação do futuro e já o é do presente", até porque "a maior parte das pessoas já obtém hoje grande parte da informação de que necessita dessa forma", nomeadamente nas redes sociais e blogues.
"A maior parte das pessoas não tem só o computador aberto à sua frente, tem também o tablet e o smartphone. Isso criou um ambiente de comunicação completamente diferente do que o que existia há dez anos. Quem faz comunicação tem de estar onde as pessoas estão e naturalmente quando se pensa em projectos de informação tem que se pensar online", frisou José Manuel Fernandes, antigo director do PÚBLICO.
José Manuel Fernandes vai ainda mais longe ao defender que um online pode e deve viver por si só, sem edição em papel, até porque esta "é antropófaga", "consome tudo", representando custos muito superiores aos do digital.
"O que é importante é criar uma marca, uma identificação forte, que não acredito que necessite absolutamente de papel, que exige imensos recursos, na produção, na distribuição, em tudo. Não sentimos que para ter a confiança dos utilizadores necessitemos de ter uma coisa que nos distrairia seguramente do essencial", disse. Além disso, acrescentou, "não faz sentido investir em meios tradicionais em que a tendência é a perda de receitas", ao contrário do que acontece com o investimento publicitário no online, que tem crescido nos últimos anos e que, segundo prevê, "vai ser superior ao total da imprensa escrita, jornais e revistas, dentro de um ano ou dois".
Depois de cinco anos de más notícias, de desinvestimento na comunicação social e de um ambiente deprimido nas redacções, diz Pedro Santos Guerreiro, o lançamento dos novos projectos "é um fenómeno positivo, que mostra dinamismo e uma acção mais do que uma reacção".
O director executivo do Expresso considerou que "era estranho" não aparecerem projectos novos num sector com tanta inovação e tão poucas barreiras à entrada. "Quanto olhamos para as possibilidades que a Internet permite e que as novas narrativas oferecem, era estranho não haver novos entrantes que pusessem em causa projectos antigos. A gestão do declínio pelos grupos de comunicação social é um mito, fica agora provado. Não estamos a gerir o declínio, estamos a investir num novo ciclo de prosperidade", disse.
Fim do papel e estruturas digitais pequenas
Os jornais em papel têm os dias contados, defende um dos fundadores do Jornal de Negócios, Diogo Madeira, enquanto Luís Delgado, criador do Diário Digital, considera que os projectos exclusivamente digitais só sobrevivem se tiverem estruturas pequenas.
"Acho que os jornais em papel têm uma tendência para desaparecer. A curva de vendas continua a descer. Além disso, têm um custo adicional fixo que o digital não tem", disse Diogo Madeira
Já para Luís Delgado, fundador do Diário Digital, os media exclusivamente online portugueses só poderão sobreviver com estruturas pequenas. "A publicidade na Internet é residual, nunca se compara com a televisão ou com os órgãos em papel", disse, acrescentando que a sua percepção aponta para que os projectos exclusivamente digitais sejam "pequenos e com poucos custos", já que "não conseguem concorrer com grandes jornais com equipas online”.
"Somos 10 milhões [em Portugal], dos quais cinco milhões com idade elevada, que não acedem ou não têm Internet", a outra metade "tem [Internet], acede e consulta, mas "tradicionalmente não quer pagar", salientou Luís Delgado, sublinhando que a "Net permitiu canibalizar todo o tipo de informação".
Luís Delgado disse acreditar que dentro de alguns anos o papel seja "um nicho de alto valor".
Diogo Madeira, por seu lado, destacou quatro desafios para os media: as assinaturas digitais, o micropagamento, as parcerias com empresas de descontos e a nova tendência internacional de sítios online de brokers. Sobre as assinaturas digitais, sublinhou que em Portugal "as pessoas não querem pagar mensalidades": primeiro porque estão a cortar nas despesas e, por outro, porque o mercado português é pequeno. A alternativa, disse, pode passar pelo micropagamento, que permite ao leitor pagar apenas os artigos lidos. Aqui, um dos constrangimentos assenta no valor das taxas cobradas pelos cartões de crédito na intermediação. Contudo, o pagamento por cada artigo "tem estado a crescer e é uma tendência", sublinhou.
Outro dos fenómenos detectados, apontou Diogo Madeira, são as parcerias dos meios de comunicação social com sítios de descontos, em que os media ganham uma percentagem sobre o negócio gerado.
O quarto desafio, identificado a nível internacional, são os sítios de informação criados por brokers, ou seja, intermediários entre quem escreve os artigos e o público. Neste caso, os projectos online têm um número reduzidos de jornalistas e apostam em colunistas, resultando em plataformas de intermediação entre produtores e consumidores. Os colunistas são remunerados mediante uma percentagem sobre o número de visualizações dos seus textos.
Assinaturas online dos jornais disparam
As vendas digitais dos dez principais jornais e revistas em Portugal representaram de Janeiro a Outubro de 2013 menos de 4% do total das vendas, incluindo em papel, apesar de as assinaturas online terem disparado na maior parte dos meios.
Segundo as contas efectuadas pela agência Lusa, com base nos dados mais recentes da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), nos primeiros dez meses do ano passado a circulação total paga (impresso e digital) atingiu os 551.266, dos quais apenas 21.107 são relativos ao negócio online, o que representa 3,8%.
As vendas digitais têm a sua maior expressão nos títulos económicos, com um peso de 19% no caso do Diário Económico e de 15,5% no Jornal de Negócios. Contudo, se forem analisadas apenas as assinaturas digitais, o Jornal de Negócios conseguiu um aumento de 66%, para 1463 assinaturas, nos primeiros 10 meses de 2013, face a igual período de 2012, enquanto o Diário Económico perdeu 29%, para 90 assinaturas.
Nos diários, destaque para o PÚBLICO, cujas vendas digitais tinham um peso de 14,5% do total e as subscrições digitais dispararam 64%, para 3935, face a 2012. Estes dados não contabilizam a nova política de pagamento de artigos online que o jornal da Sonaecom adoptou no final do ano. A directora do PÚBLICO, Bárbara Reis, disse à Lusa que as novas assinaturas digitais do diário, depois da estratégia de pagamento de conteúdos online lançada em Novembro, "estão dentro das expectativas" definidas para Janeiro.
Em Novembro, o PÚBLICO anunciou uma nova estratégia para os seus conteúdos na Internet, passando a ter todos os artigos abertos até um limite máximo de 20 artigos por mês. Para a directora do diário, "não vai ser possível ter jornais de qualidade sem sustentabilidade a longo prazo se não se envolver os leitores no pagamento de conteúdos".