Vítimas de pedofilia pedem suspensão da canonização de João Paulo II

A sessão que decorre em Genebra terminará com recomendações do Comité da ONU para os Direitos da Criança – e pouco mais –, mesmo se a documentação entregue pelas vítimas aponte para “violação” da convenção ratificada pela Santa Sé. Vaticano diz que não há desculpa para os crimes cometidos.

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A cerimónia de canonização de João Paulo II está prevista para Abril Stefano Rellandini/Reuters

É a primeira vez que um organismo internacional confronta a Santa Sé com essas acusações apresentadas por vítimas, queixosos e associações de países como a Irlanda, Austrália, Estados Unidos ou México, entre outros. O colectivo do México, em particular, exige que estes casos sejam tratados como crimes de Estado por envolverem a Santa Sé ao mais alto nível. Acusam o Vaticano de silenciar e encobrir uma realidade, perpetuando-a.

É também do conjunto de vítimas e associações da sociedade civil do México que chega o “pedido público” para a suspensão do processo de canonização do Papa João Paulo II (em funções entre 1978 e 2005), anunciada pelo actual Papa Francisco e cuja cerimónia está prevista para o próximo dia 27 de Abril, juntamente com a da canonização de João XXIII (Papa entre 1962 e 1965).

“Suspensão do processo”, defendem, enquanto a Igreja Católica não esclarecer o silêncio do Papa João Paulo II relativo aos abusos sexuais do fundador dos Legionários de Cristo, o padre Marcial Maciel, figura influente que João Paulo II protegeu e elogiou, mesmo depois de a Santa Sé ter conhecimento das primeiras queixas de abusos contra o padre, nos anos 1940, apresentadas pelas próprias vítimas e autoridades locais.

Os queixosos querem saber “como foi possível que, durante o processo de beatificação do Papa João Paulo II”, que morreu em 2005, e quando já circulava uma grande quantidade de informação sobre os abusos cometidos por padres no México e encobertos pelo Vaticano, a Santa Sé se pronunciou pela não-existência de “material importante” de que João Paulo II devesse ter conhecimento.

Por isso (e como se lê num “relatório-sombra” apresentado ao comité em complemento do relatório do Vaticano), pedem “publicamente que a canonização de João Paulo II seja suspensa” até que sejam “esclarecidas” várias questões.

Ao mesmo tempo, defendem ser este caso “emblemático” da cumplicidade e encobrimento da “violação sistemática dos direitos” de crianças, vítimas de abusos por representantes da Igreja, que caracteriza “o comportamento da instituição” e que “envolve todos os níveis de autoridade” da Santa Sé. Também por isso exigem que este e outros casos sejam tratados como crimes de Estado (da Santa Sé) e não actos isolados de representantes da Igreja enquanto indivíduos noutros Estados que não o Vaticano.

“Recomendações sem sanções”
Nestas sessões em Genebra, porém, “não se trata de impor sanções”, explicou ao PÚBLICO o gabinete de imprensa do comité da ONU. Mesmo se a sessão, no final, der implicitamente razão ao argumento de vítimas, sobreviventes e associações da sociedade civil de que o Vaticano violou as disposições a que se comprometeu a partir de 1990 enquanto Estado signatário da Convenção para os Direitos da Criança.

O que o comité faz com estas sessões, agendadas para todos os Estados signatários, é pôr em marcha “um processo de revisão e recomendação sucessivas”, apontar rectificações a fazer em áreas de maior preocupação quando não encontra respostas nos relatórios que os Estados são obrigados a apresentar todos os cinco anos. No caso do Vaticano, desde 1990, o comité apenas recebeu dois relatórios – em 1994 e em 2011.

A última vez que o Vaticano teve um relatório seu em discussão no comité foi, pois, em 1995, mas sem que fossem abordados casos de abusos sexuais. O de 2011 está agora a ser discutido, depois de, “pela primeira vez”, o Comité para os Direitos das Crianças ter apresentado “um pedido formal relativo a informação sobre abusos sexuais [perpetrados] por padres”, acrescenta o gabinete de imprensa do comité da ONU.

Desculpas e desmentidos
O arcebispo Silvano Tomasi, representante da Santa Sé junto da ONU, interveio neste primeiro dia da sessão na ONU, para reconhecer a existência de abusos sexuais de crianças por representantes da Igreja. Mas negou que o Vaticano tenha criado obstáculos às investigações judiciais nos vários países.

Tomasi declarou, frente a um painel composto pelos 18 membros permanentes (eleitos) do comité da ONU em Genebra, não haver desculpa possível para os casos de exploração e violência contra crianças. Ao mesmo tempo, disse, citado pelo jornal espanhol El País, que, “entre as profissões mais respeitadas do mundo, incluindo, lamentavelmente, membros do clero e pessoal da Igreja”, se encontram responsáveis por este tipo de crimes.

Pouco depois, numa entrevista à Rádio Vaticano, garantiu que “a Santa Sé apoia o direito e o dever de cada país a julgar os crimes contra os menores”, desmentindo tentativas de interferência. “A crítica de que [a Santa Sé] procura interferir, colocar obstáculos, não tem fundamento. Pelo contrário, queremos que haja transparência e que a justiça siga o seu curso.”

 
 
 

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