Doente pede aos deputados que aprovem lei de co-adopção
Oito meses depois de ter aprovado lei da co-adopção, Assembleia da República discute referendo sobre co-adopção e adopção por casais do mesmo sexo. PSD discute esta quarta-feira disciplina de voto.
Foi o diagnóstico, que recebeu em Junho, que levou esta professora de Biologia, de 41 anos, a escrever a carta, que está disponível na página electrónica da Ilga: “Que aconteceria aos meus filhos se eu tivesse morrido na mesa de operações? Conseguiria a sua outra mãe a tutela? Seria correcto, face a essa situação, sujeitar as crianças a um processo legal deste tipo? Que enquadramento legislativo teria um juiz para decidir a favor das crianças e da manutenção da sua família real?”.
Sabia que o tribunal podia decidir entregar as crianças à outra mãe, recorrendo à figura da confiança pessoa idónea. Mas quem lhe garantia que não lhes caía em sorte um juiz preconceituoso? Tinha medo. Tinha medo que algum juiz entendesse ser melhor entregar as suas crianças a uma instituição.
Na semana em que ficou internada, por complicações associadas à quimioterapia, as dúvidas subsistiam: “Como pode a outra mãe destas crianças justificar perante a sua entidade patronal a necessidade de faltar para as apoiar se, legalmente, não lhes é nada? Porque temos nós, uma família que cumpre todos os seus deveres, de não poder beneficiar dos direitos que assistem às outras famílias?”.
Ficou pasmada com a iniciativa legislativa sobre um referendo à adopção e à co-adopção que é discutida amanhã no Parlamento. E quis dizer aos deputados que lamenta. Quis dizer aos deputados que lamenta profundamente. E disse-o na carta que dirigiu a todos: “Lamento profundamente que, devido à situação legal existente no nosso país, eu tenha muitos mais motivos de preocupação do que aqueles que deveria ter neste momento e que as minhas crianças estejam numa posição de fragilidade que não deveriam estar.”
O projecto de resolução — encabeçado pelo deputado Hugo Soares, líder da JSD e vice-presidente da bancada parlamentar — partiu de sete jovens sociais-democratas. Entendem, segundo escrevem, que “este tema está longe de colher qualquer consenso generalizado” e que é “uma matéria que divide a sociedade portuguesa”. Eis o esboço das duas questões que, na sua opinião, deveriam ser colocadas: “Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adoptar o filho do seu cônjuge ou unido de facto?”; “Concorda com a adopção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?”
Por vontade dos proponentes, o referendo seria apenas discutida na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o que quer dizer que no debate só participariam 22 dos 230 deputados. O PS forçou a discussão em plenário, recorrendo ao direito potestativo. “Querem que o povo inteiro seja chamado a votar em referendo, mas que apenas uma pequena comissão discuta o tema”, protestou a socialista Isabel Moreira.
A proposta, apresentada a três dias da votação final do projecto de lei socialista, gerou desconforto, quer no PS, quer no PSD. Hoje, os sociais-democratas discutem a possibilidade de haver disciplina de voto — a 17 de Maio de 2013, quando o projecto de lei do PS foi aprovado na generalidade, optaram pela liberdade de voto. Até lá, Hugo Soares não quer prestar declarações.
Para Fabíola, tudo não passa de uma “ideia estapafúrdia, despropositada”: “Não tem sentido fazer um referendo para saber se a família das minhas crianças deve ser reconhecida. Está na Convenção dos Direitos da Criança: todas as crianças têm direito a uma família. As minhas crianças têm família. O Estado não pode decidir desprotegê-las. Não pode deslegitimar a sua família.” Há mais de 20 anos que esta mulher, residente em Santarém, luta pelos direitos de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Trangéneros. Reconhece “evolução” no sentido de um país mais democrático. A lei proposta pelo PS parece-lhe “mais um passo”. Por isso se dirigiu aos deputados: “Venho pedir-vos a decência de aprovarem a lei da co-adopção.”