Editorial: O quarto minguante de Erdogan

A corrupção bateu à porta do Governo, que Erdogan foi obrigado a remodelar. Mas o líder do partido islâmico AKP não está disposto a deixar a Justiça minar as bases do seu poder. Um procurador que estaria a investigar os filhos do chefe do Governo foi afastado. O Conselho Supremo dos Juízes e dos Procuradores bloqueou um decreto do Governo, que obrigava os investigadores a revelarem os resultados das suas investigações aos superiores hierárquicos.

Depois de ter derrotado os seus principais inimigos políticos, em particular o Exército e o Estado laico herdeiro dos princípios kemalistas e de ter presidido a uma década de grande crescimento económico, Erdogan parece ter ido demasiado longe. As tentativas de impor uma agenda islâmica além do que é tolerado pela componente laica da sociedade turca e a forma cada vez mais autocrática como exerce o poder indicam que ele talvez seja menos o defensor de um islão democrático, à imagem e espelho dos partidos democratas-cristãos europeus, do que um autocrata legitimado pelo voto.

A força do AKP foi sempre a sua moderação, que lhe dava vantagem moral no combate às elites laicas que se eternizavam no poder e recorriam ao Exército sempre que este estava em risco. As acusações de corrupção são devastadoras para um partido cuja base ideológica é uma moral religiosa.

As movimentações da Justiça estarão a surgir como uma retaliação de Fethullan Gülen, durante anos um poderoso aliado do AKP, que o primeiro-ministro decidiu também atacar. A ambição de Erdogan levou-o a travar um combate fratricida. E, poucos meses após os confrontos na Praça Taksim, a dimensão autoritária do seu poder voltou a emergir. Erdogan queria apresentar-se ao mundo como o símbolo de um islão democrático. Essa imagem parece ter entrado no quarto minguante.
 
 
 
 

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