Quando as classes médias lutam “por menos democracia”

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Suthep Thaugsuban, o líder da contestação nas ruas Christophe ARCHAMBAULT/AFP

O PD, na oposição, decidiu boicotar as eleições. Após semanas de virulenta contestação nas ruas da capital, a primeira-ministra dissolveu o parlamento e convocou eleições. A oposição não as deseja porque o partido de Yingluck, Pheu Thai, as vencerá graças ao voto rural. A oposição exige que Yingluck deixe a chefia do Governo. Mais do que uma guerra partidária, é o confronto entre “duas Tailândias”.

Apoiado na classe média de Banguecoque e na antiga elite, Suthep propõe-se “erradicar o regime Thaksin”. Thaksin Shinawatra é o antigo primeiro-ministro, que, exilado no Dubai, colocou a irmã à frente do seu novo partido e venceu as eleições de 2011 com maioria absoluta.

O projecto de Suthep inquieta alguns apoiantes. Escreve o diário The Nation, adversário de Thaksin: “A democracia não se baseia apenas no acordo quanto aos fins, mas também quanto aos meios e valores. Uma via antidemocrática nunca instalará a democracia.”

Thomas Fuller, correspondente do New York Times no Sueste Asiático, resume o que está em jogo: “Num mundo acostumado a revoltas democráticas, da Primavera Árabe às revoluções Açafrão [Birmânia] ou Laranja [Ucrânia], estas semanas de rebelião política na Tailândia combatem por um objectivo peculiar. Aqui, as massas de manifestantes nas ruas pedem menos democracia – e não mais.” O principal actor deste movimento são as classes médias.

2. A Tailândia foi pioneira na democratização no Sueste Asiático. Era um modelo ideal para a “teoria da modernização”: a industrialização e o desenvolvimento económico levam directamente a mudanças sociais e políticas, em que as classes médias, urbanas e educadas, se tornam “nos mais ferventes militantes da democracia” (S. Huntington).

O arranque económico começou no fim dos anos 1950. Na década de 60, o país cresceu ao ritmo anual de 8,4%. Explodiu o turismo. Na década de 70, as novas classes médias urbanas manifestaram-se contra os sucessivos governos militares. Em 1992, uma extraordinária mobilização, encabeçada por estudantes, foi violentamente reprimida. O venerado rei Bhumibol foi à televisão e exigiu a pacificação. Os militares deixaram o poder e os estudantes deixaram as ruas. Houve eleições, começou a transição democrática e, em 1997, foi aprovada nova Constituição.

O pesadelo das classes médias – e da velha elite de Banguecoque – começa nas eleições de 2001. Emerge um novo político, o magnata Thaksin, que convenceu os pobres e as populações rurais a usarem politicamente o direito de voto. Thaksin assumiu as reivindicações rurais e ganhou as eleições. O problema é que o “Berlusconi tailandês” cumpriu as promessas, desde um sistema de saúde quase gratuito a fundos de empréstimos com baixas taxas de juros para os camponeses – os rendimentos das famílias no Nordeste cresceram 46% durante a sua governação. E sobretudo, aproveitando um erro histórico do PD, integrou as massas rurais no sistema político.

As classes médias reagiram mal. Viveram isto como uma usurpação. Denunciaram o desvio dos seus impostos para as massas rurais.

“Na Tailândia, há ainda uma grande influência do nacionalismo monárquico”, explica o historiador Thongchai Winichakul. “Muitos pensam que a virtude do rei consiste em guiar a democracia. A ascensão da gente do campo, transformada em força política, foi percebida como uma ameaça à autoridade moral das ‘pessoas honestas’.”

Sob pressão da elite e das classes médias, e com a bênção do rei, os militares derrubaram Thaksin em 2006. Condenado por corrupção, exila-se. Mas, pouco depois, sobem ao poder dois governos pró-Thaksin. Em 2008, eclode o levantamento dos “camisas amarelas”, a força de choque da elite e das classes médias. Chegam a ocupar os dois aeroportos de Banguecoque, forçando a queda do Governo.

Em 2010, entram em cena os “camisas vermelhas”, adeptos de Thaksin, uma amálgama ideológica, de liberais a comunistas, vindos do campo para exigir a demissão do Governo PD. Este não cedeu. Nos confrontos com a polícia e com o exército, morreram mais de 90 pessoas. Democratas e conservadores realistas tentaram mudar o sistema eleitoral e limitar o direito de voto das massas rurais. Não o conseguiram. Em 2011, Yingluck Shinawatra obteve uma vitória esmagadora.

A contestação actual começou a pretexto de um projecto de amnistia para todos os políticos. Permitiria o regresso de Thaksin. A maioria dos políticos, incluindo Suthep, é corrupta. Mas a acusação de corrupção lançada pela oposição contra o Governo não diz respeito ao enriquecimento individual nem à “compra de votos”, que sempre se praticou.

A suprema “corrupção dos eleitores” consiste nas políticas favoráveis aos rurais e aos pobres – o que os leva a votar no “clã Shinawatra”. Noutro plano, generaliza-se o argumento de que a “democracia ocidental não se adapta à Tailândia” e o sufrágio universal entrega o poder a oportunistas e gente sem moral.

3. A extrema polarização política não se limita ao conflito de interesses e a convicções ideológicas. Uns denunciam “a tirania da maioria”, os outros afirmam que “sem justiça social não há democracia”. É um conflito em que se cruzam muitas dimensões, inclusive as identidades colectivas. Para os “camisas amarelas”, Thaksin “é a suprema ameaça à moral política tailandesa porque representa a pior das suas contaminações”, escreve Winichakul. Para o mundo rural “vermelho”, a campanha anti-Thaksin é o sinal que a “arrogante elite urbana” o despreza e o quer desapossar.

O rei, figura unificadora da nação, fez um discurso apaziguador no dia do seu 86.º aniversário. A sucessão é o “problema escondido”. O príncipe herdeiro tem pouco prestígio e passa por dever favores a Thaksin. Um analista tailandês, escrevendo sob pseudónimo – para contornar “o crime de lesa-majestade” – afirma que reside aqui a chave da arriscada ofensiva de Suthep. As classes médias educadas e as elites tentam erradicar o “regime Thaksin” antes da morte do rei. Sabem que “o reinado de Bhumibol pode acabar numa sucessão falhada”. Seria a sua tragédia.
 
 
 
 

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