Uma mulher, poder, ou dinheiro: qual terá sido a traição do tio do líder norte-coreano?
Analistas disparam em várias direcções para tentar interpretar a purga e execução da uma das principais figuras do regime de Pyongyang.
Qualquer que tenha sido o motivo, a execução do tio do líder norte-coreano deixou os analistas a fervilhar. Há quem espere uma possível grande purga interna, com muitos afastamentos e mortes. Os países vizinhos preocupam-se com uma possível provocação militar da Coreia do Norte – um novo teste nuclear? Uma escaramuça em águas da Coreia do Sul? – para distrair das questões internas.
A primeira circunstância extraordinária do afastamento de Jang Song-thaek é a própria ligação familiar do condenado ao líder – era casado com a irmã mais nova do seu pai, o "Querido Líder" Kim Jong-il. Foi o mentor de Kim Jong-un, enquanto este, na casa dos 20 anos, se preparava para assumir o cargo do pai. Esteve sempre ao seu lado depois da sua subida ao poder. É arriscado o regime admitir que alguém com um cargo tão alto e tão próximo do líder fosse afinal um "ser humano desprezível, pior que um cão”. A admissão pode diminuir as credenciais que são a base da legitimidade da estrutura de poder familiar, sublinha John Swenson-Wright, especialista em Ásia da Universidade de Cambridge, na emissora britânica BBC.
A edição de fotografias e vídeos para retirar Jang do lado de Kim já começou. Mas o seu afastamento foi tudo menos silencioso e discreto, como costumavam ser antes as purgas do regime. A agência oficial de notícias da Coreia do Norte dedicou várias páginas à condenação, explicando detalhadamente as acusações e confissões. Jang pode ser agora um bode expiatório do estado da economia, com a confissão (que terá certamente sido escrita por alguém que não ele) a dizer que estava a tentar usurpar o poder com um plano de afundar a economia, causando revolta e obtendo assim mais facilmente apoio de responsáveis do partido e do exército para tomar o poder.
Também há quem refira a viagem recente de Jang à China e a intenção de estabelecer zonas de cooperação que, no entanto, nunca saíram do papel. Há também uma acusação por corrupção.
Um passo arriscado
Analistas dizem que é um passo arriscado do jovem líder norte-coreano. Será que basta a morte (aparentemente por pelotão de fuzilamento, com metralhadoras) de uma pessoa para pôr em ordem vozes eventualmente dissidentes? Ou poderão estas ser demasiadas e levar a uma instabilidade inédita no país liderado há 65 anos pela dinastia Kim?
O mais jovem Kim tinha já antes afastado outro antigo mentor, no ano passado. As substituições podem ser sinal não de uma profunda divisão, mas de que quer uma geração mais jovem perto de si. “Se as divisões fossem tão graves, o regime não as teria publicitado deste modo, nem as teria resolvido tão depressa”, diz o analista sul-coreano Paik Haksson à BBC.
Há quem tenha a teoria de que tudo pode ter sido causado por uma questão passional: na acusação surgem referências às infidelidades de Jang – uma das acusações é de “devassidão”.
No site norte-americano Daily Beast, Gordon G. Chang, autor de Nuclear Showdown: North Korea Takes on the World, diz que Jang apresentou Kim à sua actual mulher, Ri Sol Ju. Rumores falam de um caso entre Jang e Ri (e mais rumores falam mesmo de uma gravação de sexo entre os dois). Certo é que Ri não tem sido vista em público (nem, na verdade, a mulher de Jang e tia de Kim, Kim Kyong Hui). A decisão de Kim foi tão surpreendente, e a vítima tão inusitada, diz Gordon Chang, que esta explicação faria mais sentido.
Vizinhos preocupados
O afastamento começou com uma imagem publicada de Jang a ser levado por agentes de uma reunião do comité político do partido, e foi divulgada primeiro por uma agência sul-coreana, e só depois chegou aos media internos. Foi tudo muito rápido – da prisão à execução foram apenas dias. O distanciamento da coreografia habitual “pode ser uma representação da natureza pessoal de Kim Jong-un”, admite Daniel Pinkston, especialista em Ásia do International Crisis Group, à estação de televisão norte-americana ABC.
Nos países vizinhos, Coreia do Sul e Japão temem que a seguir à afirmação de poder interna se siga uma provocação externa de Kim, que muito cedo levou a cabo testes nucleares e exercícios militares. O Japão disse que estava a “observar de perto a situação” e o ministro da Defesa sul-coreano prometeu “aumentar o estado de alerta do país”.