Ucrânia: fracasso inicial da UE acaba por enfraquecer Moscovo
Os países não escolhem a sua geografia nem os vizinhos. Kiev, dividida entre a influência russa e a ocidental, continua a ser o maior desafio à segurança europeia.
Explicou no Le Monde Arnaud Dubien, director do Observatório Franco-russo: "O primeiro [ensinamento] é que a Rússia, cinco anos depois de ter parado o alargamento da NATO na ex-URSS (primeiro por via diplomática na cimeira de Bucareste, em Abril em 2008, e depois graças à sua vitória militar contra a Geórgia de Saakachvili, em Agosto), acaba de congelar a progressão da UE na zona. Consegue-o mais por capacidade de intimidação do que pela faculdade de atracção."
Para a UE, significaria o enfraquecimento simbólico da sua presença na cena internacional. Houve, no entanto, uma novidade. Foi a Alemanha que coordenou a negociação final, o que assinala uma inflexão na política russa de Berlim, logo da UE. E a ideia de insucesso não é segura.
Vitória de Pirro?
Após a vaga de contestação pró-europeia em Kiev, passou a dominar outra avaliação: "Putin teve uma vitória de Pirro", titulou no Moscow Times o jornalista russo Ievgueni Kiseliov. "A enorme vaga de manifestantes em Kiev — e a sua repressão pela polícia — mudaram completamente a situação política para Ianukovich, Putin e toda a Ucrânia. (...) A aparente vitória de Putin ao convencer Ianukovich a rejeitar a UE parece uma vitória de Pirro pois fez crescer a cólera dos ucranianos contra a decisão de recusar o acordo com a UE."
O analista Gideon Rachman explicou no Financial Times: "As manifestações na Ucrânia são simultaneamente uma humilhação e uma ameaça para Putin." Viu dezenas de milhares de jovens ucranianos rejeitarem as tentativas de inclusão na esfera de influência russa.
O mais interessante é que a pressão e as ameaças de Moscovo apagaram as razões da rejeição do acordo por Kiev. Uma parte dos "oligarcas", que inicialmente apostou nas vantagens do acordo, terá mudado de posição, calculando que as novas regras prejudicariam os seus interesses. "A UE fez nos últimos anos um significativo investimento político na Ucrânia, mas não deu muito daquilo que mais conta em Kiev", observa a analista ucraniana Olga Shumylo-Rapiola, do think tank Carnegie Europe. Apesar da liderança ter dado passos em direcção à Europa, "Kiev não deseja as reformas." A UE — que pouco tem pensado a Ucrânia a não ser a propósito da Rússia — deveria reflectir sobre isto. Conclui Shumylo-Rapiola: "Se alguns governos [da Parceria Oriental] não estão inclinados a democratizar e reformar num futuro próximo, o princípio de ‘mais e mais’ deveria dar lugar a uma abordagem de ‘via dupla’: uma para com as sociedades, outra para os governos."
Por sua vez, Ianukovich, que hesitou ou fez jogo duplo ao longo dos últimos meses, está sobretudo preocupado com a sua reeleição em 2015. "É o principal motivo que guia as suas decisões", observa a analista russa Lilia Chevtsova. "Concluiu que a integração europeia não lhe garantia a vitória e decidiu inclinar-se para Putin como forma de preservar o poder." Neste caso, será perdedor: levantou metade do país contra si e deu a imagem de "líder fraco" e submisso a Moscovo.
Irrompe a geopolítica
Putin teve um mérito, observa o alemão Jan Techau, também do Carnegie Europe. "Já ninguém tem ilusões sobre a partida de xadrez que se joga na periferia oriental da UE. Aplicando aqui a sua própria lógica — de que aquilo que uns ganham é necessariamente perdido pelos outros — a Rússia conseguiu transformar um projecto tecnocrático de cooperação, como originalmente era a Parceria Oriental, num confronto geopolítico. (...) As ameaças à soberania russa não vêm do Ocidente. Mas, na realidade, a Rússia está completamente obcecada pelo Ocidente, que suspeita estar a cercá-la e a aproximar-se do heartland russo."
À Parceria Oriental da UE (Arménia, Azerbaijão, Geórgia, Moldávia, Ucrânia e Bielorrúsia), contrapõe Moscovo uma união aduaneira que poderia desembocar numa "União Euroasiática" — da Ucrânia ao Cazaquistão — que faria da Rússia a grande potência euroasiática, pesando decisivamente no coração do Continente europeu.
No auge da era Ieltsin, já o "conceito de estratégia" russo de 1993 punha o acento tónico nos seus interesses no "estrangeiro próximo", ou seja, nos Estados ex-soviéticos. A partir de 2002, Vladimir Putin deu corpo, de forma branda ou de forma implacável, a esse projecto de subjugação do "estrangeiro próximo" — a chantagem do gás sobre a Ucrânia, a intervenção falhada na eleição presidencial ucraniana de 2004 que levou à "revolução laranja", culminando na guerra com a Geórgia.
A tese de Brzezinski
Terminada a Guerra Fria, também uma escola de pensamento americano pôs o acento tónico na Ucrânia. No livro The Grand Chessboard, de 1997, Zbigniew Brzezinski defendia a tese de que a independência da Ucrânia modifica a natureza do Estado russo. "Sem Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império na Eurásia." Só a integração da Ucrânia na órbita euro-atlântica travaria a reemergência do império "que torna a Rússia agressiva" e impede a sua democratização.
Os países não escolhem a sua geografia nem os vizinhos. A Ucrânia está dividida entre a influência russa e a ocidental. O seu lema, desde a independência em 1991, é pragmático: "Dentro da Europa e perto da Rússia." É um equilíbrio instável, dado o permanente risco de servir de teatro de "guerra indirecta" entre Moscovo e a aliança ocidental. Por razões históricas e de segurança, foi a Polónia o país que mais insistiu em fixar o limite político da UE na fronteira russa. A Ucrânia continua a ser o maior desafio à segurança do Continente.