Oposição ucraniana recusa dar por consumado o recuo na aproximação à UE

Ex-primeira-ministra Iulia Timochenko enviou mensagem da prisão em que pede aos manifestantes que não abandonem as ruas até "derrubarem" o Governo.

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As marcas da repressão Gleb Garanich/reuters
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As forças de segurança, munidas de equipamento antimotim, avançaram cerca das 4h30 (2h30 em Portugal continental), alegando a existência “incidentes” na praça. No local estavam cerca de mil pessoas, na sua maioria estudantes, que se juntavam em redor de fogueiras empunhando bandeiras da Ucrânia e da União Europeia. A Reuters conta que os agentes começaram por lançar granadas de atordoamento, avançando depois bastões e granadas de gás lacrimogéneo.

“Foi uma selvajaria total. Pelas minhas contas estamos a falar de dezenas, talvez centenas, de pessoas cruelmente espancadas”, disse à agência britânica Andrei Shevchenko, deputado da oposição e um dos organizadores do protesto. “Atiraram connosco como se fossemos lixo”, acrescentou Lada Tromada, uma manifestante ouvida pela BBC.

A oposição fala em pelo menos 30 feridos e jornalistas no local contam ter visto dezenas a sangrar ou com marcas de bastonadas no corpo. Perseguidos pela polícia, cerca de 200 manifestantes refugiaram-se na catedral de São Miguel - local de um antigo mosteiro do século XII que foi destruído em 1937 pelo Exército soviético e que seria reconstruído após a independência, em 1991. “Juntámo-nos aqui depois de a polícia antimotim nos ter expulsado da praça. É o único lugar seguro”, contou à Reuters Roman Tsaldo, um manifestante de 25 anos.

O primeiro-ministro, Mikola Azarov, disse ter ficado “indignado” com as imagens da repressão policial, num comentário retomado horas mais tarde pelo próprio Presidente."Condeno as acções que conduziram aos confrontos e ao sofrimento de pessoas", diz Ianukovich num comunicado divulgado sábado à noite, em que promete punições exemplares para os responsáveis. Mas a oposição não acredita em coincidências e diz que a actuação policial não pode ser desligada do que aconteceu na cimeira de Vílnius.

“Depois de recusar assinar o acordo, Ianukovich decidiu que está autorizado a cometer todo o tipo de crimes contra o seu próprio povo”, acusou Vitali Klitchko, o antigo campeão de pugilismo que lidera agora o Udar, um dos três principais partidos da oposição ucranianos. Dirigentes das três formações reuniram-se neste sábado em Kiev e, no final, anunciaram a formação de um “estado-maior da resistência nacional” e anunciaram estar a preparar uma greve geral “em toda a Ucrânia” objectivo difícil de cumprir na região oriental, onde a maioria da população tem origens russas e a indústria depende das exportações para o país vizinho.

Grande manifestação em Kiev

A oposição pró-europeia terá já neste domingo uma oportunidade para medir forças com o Governo, com a manifestação que marcou para o meio-dia junto ao monumento a Taras Shevchenko, poeta e herói nacional. Ao final da tarde deste sábado, a AFP contava já cerca de dez mil pessoas reunidas num local próximo da praça da Independência, e um apelo inesperado veio dar novo impulso às manifestações. “O principal é que ninguém deixe a rua até que o poder seja derrubado por meios pacíficos”, apelou a ex-primeira-ministra Iulia Timochenko, numa carta lida pela sua filha. A dirigente da oposição está a cumprir sete anos de prisão por acusações de corrupção, num processo que a UE e os EUA consideram ter tido motivações políticas.

Quase tudo nestes protestos o apelo de Timochenko, o local escolhido para as manifestações e o alvo da contestação  evoca a Revolução Laranja de 2004, quando milhares exigiram nas ruas a repetição das presidenciais, denunciando fraudes na contagem que dava a vitória a Ianukovich, naquela que foi a sua primeira (e mais tarde falhada) tentativa de chegar ao poder.

Mas na altura, as forças de segurança mantiveram-se à margem dos protestos, o que tornou a repressão policial de ontem, sem comparação na história recente da Ucrânia, ainda mais chocante para os partidários de uma aproximação ao Ocidente, agora de novo na oposição. “A Ucrânia acordou um Estado diferente depois de Ianukovich ter recusado a assinatura em Vílnius. Está agora mais próximo da Bielorrússia”, acusou Arseni Iatseniuk, líder em exercício do Batkivchina (A Pátria), o partido fundado por Timochenko.

A oposição recusa dar como consumada a reaproximação de Kiev à Rússia, que terá convencido Ianukovich a desistir de um acordo com a UE com uma combinação de incentivos (incluindo promessas de descontos no preço do gás natural e uma nova linha de crédito) e ameaças (falou-se num possível embargo às exportações ucranianas e na reintrodução de vistos para os imigrantes). Iatseniuk garantiu que os protestos vão continuar até que o Governo se demita e Ianukovich aceite antecipar as eleições presidenciais e legislativas, previstas para 2015.

Mas além da incerteza sobre a força da oposição - e da sua capacidade para se unir, numa altura em que não há perspectivas de libertação antecipada de Timochenko - e também não é claro até onde estará a UE disposta a levar um inevitável braço de ferro com Moscovo. Neste sábado, a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, “condenou firmemente” o uso da força contra manifestantes que se limitaram “a exprimir de uma maneira inequívoca e sem precedentes o seu apoio” a uma aproximação da Ucrânia à UE.
 
 
 

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