Detectados os primeiros neutrinos de altíssima energia vindos de fora do sistema solar

São apenas 28 neutrinos, mas a mera existência destes “mensageiros do Universo”, vindos dos confins da nossa galáxia e além, inaugura uma nova era da astronomia.

Um dos detectores ópticos do "telescópio de neutrinos" IceCube a ser instalado no gelo da Antártida
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Um dos detectores ópticos do "telescópio" de neutrinos IceCube a ser instalado no gelo da Antárctida Cortesia de Jim Haugen/IceCube/NSF
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O laboratório do IceCube, o maior detector de neutrinos do mundo, na base Scott-Amundsen, no Pólo Sul Cortesia de Sven Lidström/IceCube/NSF

“É gratificante termos finalmente conseguido ver o que estivemos a procurar este tempo todo. Este é o amanhecer de uma nova era da astronomia”, diz em comunicado Francis Halzen, da Universidade do Wisconsin (EUA), que liderou os 260 cientistas de 11 países – EUA, Alemanha, Suécia, Bélgica, Suíça, Japão, Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, Canadá e Coreia do Sul – que participaram na investigação, realizada com uma inédita máquina de “ver” neutrinos: o IceCube Neutrino Observatory.

Os neutrinos são partículas subatómicas muito estranhas. A cada segundo que passa, milhares de milhões de neutrinos atravessam cada centímetro quadrado da Terra, mas tudo para eles é “transparente”. Quase sem massa e desprovidos de carga eléctrica, os neutrinos interagem muitíssimo raramente com a matéria e não são desviados da sua trajectória pelos campos electromagnéticos.

A esmagadora maioria dos neutrinos que passam por nós é gerada na atmosfera terrestre ou no Sol. Fora do sistema solar, apenas foram detectados, em 1987, neutrinos vindos de uma supernova próxima. Mas os neutrinos agora registados pelo IceCube são diferentes, porque a sua energia é muitíssimo mais elevada. Pensa-se que foram criados no interior de “aceleradores cósmicos” tais como buracos negros, pulsares, núcleos galácticos activos e outros fenómenos cósmicos extremos.

Quanto ao IceCube, como o seu nome indica, não é nem mais nem menos do que um cubo de gelo. Com um quilómetro de lado, situado a uma profundidade de 1500 e 2500 metros nos gelos eternos do Pólo Sul, contém 5160 detectores ópticos que foram inseridos furando o gelo com jactos de água quente – e que, suspensos de 86 cabos de aço à razão de 60 detectores por cabo, formam uma rede tridimensional subterrânea. Os detectores são sensíveis aos ténues impulsos de luz azul gerados pelas interacções dos neutrinos com o gelo.

Este singelo observatório astronómico foi concebido para fazer duas coisas: medir o fluxo – a taxa – de neutrinos de alta energia e tentar identificar algumas das fontes cósmicas que os produziram. Agora, no seu artigo na Science, os autores revelam o primeiro fluxo de neutrinos deste tipo jamais observado.

Egas e Becas

O IceCube demorou sete anos a ser construído e ficou totalmente operacional em finais de 2010. E foi em Abril de 2012 que deu os primeiros sinais de ter encontrado qualquer coisa. Mais precisamente, detectou dois neutrinos de energia extrema: superior a 1000 TeV (teraelectrão-volts), que é a energia de uma mosca em pleno voo. Dito assim, até parece pouco. Mas é preciso lembrar que, no neutrino, essa energia está toda concentrada num diminutíssimo volume… A título comparativo, o maior acelerador de partículas do mundo, o LHC (construído pelo CERN perto de Genebra), deverá atingir, daqui a dois anos, uma energia de 13 TeV. Isso diz muito sobre a potência do “motor cósmico” que terá lançado para o espaço os neutrinos agora observados.

Àqueles dois primeiros neutrinos, baptizados Ernie e Bert (os nomes em inglês do Egas e Becas, do programa televisivo infantil Rua Sésamo), somaram-se outros 26, descobertos quando os cientistas analisaram em profundidade os dados recolhidos pelo IceCube entre Maio de 2010 e Maio de 2012. Vindos de todas as direcções do céu, tinham todos energias superiores a 30 TeV – compatíveis com as previsões teóricas para os neutrinos extraterrestres e extra-solares.

Os neutrinos, explica um comunicado, representam verdadeiros “mensageiros do Universo”, uma vez que, ao contrário da luz, conseguem escapar facilmente mesmo dos objectos mais densos (tais como os buracos negros), trazendo assim até nós, virtualmente sem distorções, sinais dos mais portentosos fenómenos cósmicos. Ora, justamente, o passo seguinte dos cientistas vai consistir em tentar identificar e localizar as fontes cósmicas que terão produzido os neutrinos detectados pelo IceCube. Mas, para isso, ainda vai ser preciso detectar muito mais do que 28 partículas desse tipo. Os cientistas estão confiantes: “As fontes de neutrinos e a questão de saber o que os poderá ter acelerado desta forma são mistérios com mais de 100 anos”, diz Gregory Sullivan, co-autor da Universidade do Maryland. “E, agora, temos um instrumento capaz de detectar neutrinos astrofísicos, que está a funcionar às mil maravilhas e que tem 20 anos de vida pela frente.”
 
 
 
 

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