Assim se vê a força dos partidos nascidos da crise

Nos últimos anos, vários pequenos partidos europeus conseguiram resultados assinaláveis. A inexperiência jogou a seu favor, mas o discurso populista prejudica a estabilidade política.

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Beppe Grillo foi o furacão eleitoral das últimas eleições italianas
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Beppe Grillo foi o furacão eleitoral das últimas eleições italianas ALBERTO PIZZOLI/AFP

Depois de assistir a uma entrevista do ex-Presidente checo Vaclav Klaus, o segundo homem mais rico do país concluiu que não podia continuar com os braços cruzados. Em 2011, Andrej Babis criou o ANO (Aliança dos Cidadãos Descontentes). Nas eleições de 2013 obteve 20% dos votos e deixou um sabor amargo nos sociais-democratas do CSSD, obrigados a negociar uma coligação.

Na Europa é cada vez mais frequente a emergência de pequenos partidos que atingem votações relevantes logo nas primeiras eleições a que concorrem, acossando o domínio outrora confortável dos partidos tradicionais, à esquerda e à direita. Em comum têm um discurso anti-sistema, giram em torno de um líder carismático e utilizam a Internet de forma inovadora para chegarem directamente aos seus militantes. A fragilidade do sistema político, que a crise veio pôr à vista, é a força destes pequenos partidos que despontam por toda a Europa.

A tendência não é nova. Os eleitorados europeus vêm mostrando sinais de afastamento das lealdades partidárias que fundaram os grandes partidos sociais-democratas, conservadores e democratas-cristãos do pós-guerra, como demonstram os principais estudos na área. Mas é a crise económica que se abateu sobre a Europa a partir de 2008 o ingrediente que faltava para fortalecer os novos partidos. A situação é criada pelo “descontentamento para com a austeridade e a recessão combinados com a desconfiança e o cinismo em relação ao processo político”, explica ao PÚBLICO o professor do University College de Londres, Sean Hanley.

Além destes factores, há um outro que serve também como motor para o sucesso dos partidos recém-formados. O professor de Ciência Política da Universidade de Amesterdão, André Krouwel, assinala “a mudança na importância de certas questões nas sociedades”, como por exemplo a promoção dos valores ambientais nos anos 1980 e 1990, que esteve na origem dos partidos verdes, naquilo a que chama de “onda verde”. “Temos estas ondas de novos partidos que se espalham pela Europa, e agora pode dizer-se que temos uma nova onda dos partidos anti-establishment”, refere o autor do livro Party Transformations in European Democracies, que analisa 15 países, publicado no final de 2012.

Foi a cavalgar a “onda anti-establishment” que o Partido das Pessoas Normais e Personalidades Independentes conseguiram baralhar as contas nas eleições legislativas da Eslováquia, em 2012, tornando-se na terceira força política. Criado como uma cisão do Liberdade e Solidariedade (centro-direita), o seu objectivo é abrir a possibilidade de candidaturas independentes ao Parlamento, o que é proibido por lei. A forma de contornar o sistema que criticam foi precisamente inscrever-se como um partido político, prometendo conceder os lugares obtidos a personalidades independentes.

A conquista de lugares nos parlamentos europeus por parte dos partidos anti-sistema veio confundir o xadrez político em vários países de uma forma tal que há vencedores de eleições que se apresentam como autênticos vencidos. Nunca se terá visto um semblante mais carregado na expressão de um vencedor como em Pier Luigi Bersani, líder do PD, na noite eleitoral que, de toda a maneira, deu a vitória ao seu partido. Não seria para menos. A magra vitória obrigava-o a negociar ou com Grillo ou com o Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi. Descartada uma coligação com a direita, restou-lhe o 5 Estrelas e a humilhação de ouvir um rotundo não do comediante. A “vitória” acabou por abrir-lhe a porta de saída da liderança do PD.

Que fazer?
Para os partidos tradicionais este é um desafio sem precedentes. André Krouwel fala mesmo de “inveja” do discurso antipolítico dos novos partidos por parte dos restantes. No passado, “aquilo que os maiores partidos fizeram foi pegar nos temas que defendiam e incorporaram nos seus programas”, como aconteceu com as questões ambientais. Temas “verdes” ou de direitos civis, como o casamento homossexual ou a legalização das drogas leves, podiam ser, e foram, integrados nos programas eleitorais dos grandes partidos de governo. “O problema agora é que as bandeiras anti-establishment não podem ser integradas por partidos que fazem parte desse mesmo establishment”, observa Krouwel.

Há, contudo, estratégias que podem ser seguidas pelos partidos tradicionais. Segundo o docente do Departamento de Relações Internacionais da Universidade da Georgia (EUA), Cas Mudde, os maiores partidos devem ser “honestos acerca das suas limitações, mais ideológicos nas suas políticas e mais consistentes no seu comportamento”. André Krouwel resume-nos tudo isso numa simples ideia: cabe aos partidos “mostrar de novo que podem governar”.

O sucesso dos recém-chegados não esconde, contudo, as suas próprias fraquezas. Tirando algumas excepções, poucos partidos deste tipo conseguem sobreviver a longo prazo. “A maioria tem sido aquilo que é chamado flash parties, isto é, vão e vêm em duas ou três eleições”, nota Mudde. Aos partidos anti-sistema coloca-se um dilema: responder às responsabilidades inerentes à vida parlamentar, seja negociando acordos com os outros partidos ou entrando mesmo em coligações de governo, perdendo desta forma o charme exótico que os catapultou, ou então permanecer umbilicalmente ligado ao seu ADN de protesto, o que também pode levar a um esgotamento do seu eleitorado. “Os movimentos [libertários] dos anos 1970 eram liderados por miúdos de cabelos grandes e olhem para eles agora”, comenta André Krouwel. O professor dá o exemplo do seu próprio país, a Holanda, onde os Verdes “eram o principal partido de protesto e agora fazem parte do establishment e, para mais, do establishment rico”.

A dependência de líderes carismáticos pode também ser uma desvantagem, dado que produzem situações “intrinsecamente instáveis e podem acabar por destruir o partido a longo prazo”, nota o professor da Universidade de Groningen Paul Lucardie, apesar de reconhecer que “líderes carismáticos são importantes em qualquer partido novo”. A tendência de uma maior personalização da política é, no entanto, transversal a todos os partidos. Sean Hanley prevê que “se houver um ciclo de novos partidos anti-establishment a aparecer e a desaparecer, então haverá igualmente uma oferta regular de Berlusconis e Grillos”.

A frequência de fenómenos deste género pode conduzir àquilo a que Hanley chama “ciclo de ingovernabilidade”. O sucesso dos partidos anti-sistema “leva a governos muito minoritários muito instáveis ou acordos estranhos entre partidos de esquerda e direita, como em Itália”, explica o politólogo. “Assim, é alimentado o discurso anti-establishment dando origem a uma nova onda de partidos de protesto, geralmente diferentes”, conclui.

O ónus parece estar do lado dos partidos tradicionais. Se falharem na recuperação da credibilidade perdida nos últimos anos, os sistemas partidários europeus podem colapsar, “e não há nenhuma pista sobre o que pode vir a seguir”, alerta Krouwel.
 

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