D. Manuel Clemente diz que leis sobre aborto e casamento gay não espelham convicção da maioria dos portugueses

Conferência Episcopal Portuguesa mostra-se preocupada com direitos dos trabalhadores.

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D. Manuel Clemente José Sarmento Matos

Para a CEP, as alterações legislativas sobre a interrupção voluntária de gravidez ou o quadro legal que passou a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo não são irreversíveis: “É recordado que as alterações legislativas introduzidas no nosso sistema jurídico, reflexo da ideologia do género, não são irreversíveis”, lê-se no documento aprovado por este órgão da Igreja.

D. Manuel Clemente manifestou mesmo “muitas dúvidas” de que os patamares legais atingidos com as alterações legislativas “correspondam, efectivamente, à convicção” da maioria do povo português. “Julgo que a lei andou à frente das convicções”, disse.

“Em todo este campo da sexualidade, da moral familiar, da própria consideração da vida humana, do seu valor e sobre como a proteger, acho que tem havido muito voluntarismo, eu nem digo, jurídico, mas legal, que não incluiu uma reflexão básica, aprofundada e distendida. Não é preciso gritar, é apresentar as razões e discorrer em conjunto”, frisou o patriarca de Lisboa, para quem um processo legislativo não se deve antecipar a um processo cultural.

No que toca ao conceito de casal e de família, D. Manuel Clemente entende que “não é irrelevante a questão da complementaridade homem-mulher”:“Não acho que seja irrelevante e julgo que boa parte dos meus concidadãos também não acha”, diz, ressalvando, porém, que estas posições não significam que a Igreja não esteja aberta e apele mesmo ao diálogo. “Não estamos a gritar contra ninguém”, garante.

Sobre a possibilidade de os divorciados recasados poderem vir a comungar ou confessar-se, o patriarca só admite alterações se elas passarem pela simplificação do reconhecimento da nulidade do matrimónio, que estipula, na prática, que aquele casamento nunca existiu.

Mercado laboral
No documento intitulado Desafios Éticos do Trabalho Humano, que também resultou desta reunião, pode ler-se que “um dos mais graves problemas da actual crise por que passa o nosso país diz respeito ao mundo do trabalho”: “Entre as situações mais graves estão os que, não tendo trabalho, se encontram sem acesso a qualquer forma de subsídio, correndo os riscos da luta pela subsistência. São de evitar as políticas de criação de emprego pelo corte dos justos direitos dos trabalhadores”.

O patriarca defende que o problema não existe só para quem “procura trabalho no princípio da vida activa mas também e sobretudo para aqueles que interrompem prestação laboral a meio da vida e que menos possibilidades têm”.

Admite que a falta de apoios a desempregados tem a ver com decisões políticas, mas ressalva que estas “assentam numa base económica e financeira”. Para D. Manuel Clemente, cada Estado trabalha com o que tem para resolver os problemas, uma situação que se agrava quando, como no caso de Portugal, “se vive de dinheiro emprestado”.

O patriarca mostra-se mesmo apreensivo com a sustentabilidade do Estado Social: “Espero que tudo o que se ganhou em termos de Estado Social se mantenha o mais possível, mas o Estado Social existe, porque tínhamos, e vamos ver até que ponto consegue ter, uma sociedade que o suporta”, afirmou.

O presidente da CEP defende uma outra ordem mundial já que esta se baseia na “infeliz” máxima de que “quem paga manda”. E sublinha que “o principal valor de qualquer sociedade é a dignidade e a dignificação de cada pessoa” e que “tudo o resto” deve existir em função desse objectivo. D. Manuel Clemente também avisou que “se a Europa não for generosa, aquela que o pode ser, amanhã também não terá para si própria, e num amanhã muito próximo”.

Insistindo que esta crise é transversal – económica, financeira, laboral, de dignidade humana, moral e transcontinental - D. Manuel Clemente apela à criatividade de toda a sociedade para encontrar soluções. A CEP entende que todos - poder político, empresas, parceiros sociais, organizações não lucrativas, famílias e cidadãos - têm responsabilidade.

“A consciência que se tem, e não é só em Portugal, é que cabendo ao poder político uma responsabilidade irrecusável, hoje o problema ultrapassa-o muito nas suas possibilidades de resposta e, portanto, implica-nos a todos como sociedade”, diz D. Manuel Clemente.

Cada paróquia escolhe forma de pôr inquérito em prática
As mais de três mil paróquias existentes em Portugal terão liberdade para escolher a melhor forma de pôr em prática o inquérito que servirá para preparar o Sínodo da Família em 2014 e que inclui um questionário, dirigido também às bases, sobre temas como divórcio, aborto, união e adopção por parte de casais do mesmo sexo, entre outros temas. D. Manuel Clemente salientou que não vai haver uma forma única e concertada de pôr em prática o inquérito enviado pelo Papa Francisco às conferências episcopais de todo o mundo.

D. Manuel Clemente garante que em Portugal se vai responder ao apelo do Papa, mas nota que o modelo terá de ter em conta o perfil de cada paróquia. O patriarca diz que no caso das paróquias que têm centenas de pessoas, tal pode ser feito, por exemplo, em reuniões. Se forem “dezenas de milhares”, a Internet poderá ser uma solução.

“O processo é o habitual: os bispos, através dos serviços da Pastoral Familiar, enviaram [as perguntas] para as paróquias, para os movimentos, para os grupos, pedindo, com alguma brevidade, que nos mandem os resultados das suas reflexões a partir desses questionários”, disse o patriarca, frisando que todas as opiniões são bem-vindas. A CEP fará depois um resumo dos inquéritos recebidos para enviar para Roma. O próximo sínodo dos bispos sobre a família terá duas assembleias gerais – uma extraordinária, em Outubro de 2014, e uma ordinária, em 2015.

Notícia actualizada às 20h - acrescenta declarações de D. Manuel Clemente e citações dos documentos aprovados
 
 
 

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