Seropositivos têm muitos mais vírus VIH latentes do que se pensava
Com a descoberta de uma proporção inesperadamente elevada de vírus “escondidos” capazes de se reactivar, perspectiva de se conseguir erradicar o VIH do corpo humano ficou de repente mais longínqua.
As actuais terapias antirretrovirais conseguem travar a replicação do VIH, reduzindo a chamada quantidade de vírus em circulação para níveis quase indetectáveis. Mas sabe-se que subsistem sempre redutos de vírus latentes, inactivos, dentro das células imunitárias humanas, inacessíveis ao tratamento e que é por isso que a infecção pode reacender-se se o tratamento for interrompido. Esses vírus latentes são essencialmente genomas do VIH inseridos dentro do ADN dos linfócitos T, as células imunitárias que constituem o alvo preferencial do vírus da sida.
Até aqui, os especialistas pensavam, por um lado, que a maioria desses vírus inactivos tinha mutações genéticas que os tornavam incapazes de formar vírus infectantes; e, por outro, que seria possível obrigar esses vírus inactivos, através de uma espécie de “tratamento de choque”, a sair dos seus “esconderijos” para serem por sua vez eliminados até ao último.
Porém, resultados recentes já sugeriam que, quando o este tipo de tratamento de choque experimental é aplicado a células imunitárias humanas in vitro, menos de 1% dos vírus inactivos são de facto induzidos a abandonar o seu esconderijo.
Foram estas dúvidas quanto à eficácia desta potencial abordagem terapêutica, considerada promissora para extirpar definitivamente o VIH do organismo humano, que levou a equipa de Robert Siliciano, da Universidade Johns Hopkins, a analisar mais finamente as características dessa esmagadora maioria de vírus dormentes. Diga-se de passagem que Siliciano foi o primeiro a demonstrar, em 1995, a existência de reservatórios virais latentes nas células do sistema imunitário humano.
Para realizar o estudo, os cientistas sequenciaram na íntegra os genomas de 213 vírus inactivos provenientes de oito pessoas infectadas pelo VIH. E descobriram que 25 desses genomas (ou seja, 12% do total) ainda eram perfeitamente funcionais — ou seja, capazes de replicar o seu material genético e de formar novas partículas virais susceptíveis de atacar outras células imunitárias, perpetuando a infecção.
“Os nossos resultados sugerem que há uma quantidade muito maior de vírus inactivos que merecem a nossa preocupação do que pensávamos”, diz Siliciano em comunicado. “E é claro que mostram que encontrar uma cura do VIH vai ser muito mais difícil do que pensávamos e esperávamos. Mas isso não significa que não exista uma solução; significa que precisamos de ter uma ideia ainda mais precisa da dimensão do problema.” E a dimensão do problema é grande: os autores pensam que o reservatório viral “escondido” poderá ser até 60 vezes maior do que anteriormente estimado. Ainda não sabem o que poderá levar à reactivação dos vírus dormentes, mas essa será, afirmam, uma das próximas etapas do seu trabalho.
Embora esta notícia seja desalentadora, pode ter um lado positivo, dizem os autores, porque vai obrigar os especialistas a melhorar os seus métodos de detecção dos vírus inactivos — um dos aspectos mais problemáticos de qualquer ensaio clínico destinado a testar a eficácia de uma estratégia de erradicação do VIH.
“Gostaríamos de utilizar estes resultados para desenvolver maneiras mais precisas de medir o reservatório de vírus latentes nos participantes em futuros ensaios clínicos de potenciais estratégias curativas”, frisa Siliciano. “Pensamos que a nossa análise pode contribuir para os esforços de erradicação do VIH.”
E não apenas para estimular o desenvolvimento de uma nova geração de medicamentos anti-HIV realmente capazes de erradicar o vírus, mas também para relançar a procura de abordagens de erradicação alternativas, tais como vacinas terapêuticas, capazes de fazer com que o próprio sistema imunitário das pessoas infectadas consiga atacar e eliminar definitivamente o vírus.