Rui Machete deve pedir desculpas ao país
O ministro dos Negócios Estrangeiros não tem condições para continuar. A indiferença e a subserviência não podem valer mais do que a decência.
Pode até ter sido uma frase infeliz. Uma gaffe. Algo que se afirma sem ter a noção imediata das implicações.
Mas a diplomacia e a separação de poderes não estão no âmbito das gaffes ou da infelicidade discursiva. Seja lá o que isso for.
E o primeiro-ministro, Passos Coelho, não pode minimizar dessa forma uma entrevista de Rui Machete que não envergonhou apenas o Governo: envergonhou o país inteiro.
Se Rui Machete não se demitiu, o primeiro-ministro tem a obrigação de o demitir.
E não é por se tratar de Angola.
É por um ministro dos Negócios Estrangeiros comentar um processo judicial, algo que não pode fazer.
É por um ministro dos Negócios Estrangeiros pedir desculpa por esse processo judicial existir.
É por um ministro dos Negócios Estrangeiros lamentar que “não está nas [suas] mãos” (do Governo) evitar esse processo em curso contra altas figuras do regime angolano.
E muito menos falar sobre o estado em que está esse processo. E sobre essa matéria nem sequer é relevante que Rui Machete tenha ou não pedido informações à Procuradoria-Geral da República.
Rui Machete afirmou que “não há nada de substancialmente digno de relevo, e que permita entender que alguma coisa estaria mal, para além do preenchimento de formulários e coisas burocráticas”.
É inadmissível.
Serão os magistrados do Ministério Público indivíduos que investigam sem tocar “em coisas dignas de relevo” e que preenchem “formulários e coisas burocráticas”?
Pode não ter sido essa a intenção.
Mas Rui Machete passou uma imagem de subserviência do Governo português face a Angola.
Mesmo que não tenha sido o primeiro a fazê-lo quanto ao regime de Luanda.
Passou da Justiça do seu país a imagem de uns indivíduos que preenchem formulários, quiçá copiando-os a papel químico.
Ora, ninguém passou cartão ao ministro dos Negócios Estrangeiros para envergonhar a Justiça portuguesa e o país…
A tudo isto o primeiro-ministro reage afirmando tratar-se apenas de uma infelicidade?
“Ninguém pode ficar diminuído politicamente por ter tido uma expressão infeliz”, disse Passos.
Não há dúvida de que o que se passou foi uma infelicidade. E também não há dúvidas de que poucas coisas diminuem tanto politicamente alguém como as frases infelizes.
O primeiro-ministro fez de conta que não se passou nada, quando a sua obrigação era ter exigido ao ministro dos Negócios Estrangeiros que se demitisse.
Ao contrário do que Passos Coelho afirmou, há um problema político e um problema ético nas palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros.
Há uma mistura nada diplomática entre a Justiça e os negócios do Estado.
O ministro dos Negócios Estrangeiros não tem condições para continuar no cargo.
Permitir que isso aconteça é dizer que a indiferença e a subserviência contam mais do que a ética e a decência.
Rui Machete pediu desculpas a Angola. Mas é a Portugal que ele deve um pedido de desculpas.