Relatório climático coloca IPCC no centro das atenções

Polémicas associadas ao painel das Nações Unidas obrigaram a uma mudança da metodologia utilizada na concepção de relatório que começa a ser libertado nesta sexta-feira. Futuro do organismo está a ser discutido.

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O novo relatório confirma o que já se sabia sobre as alterações climáticas provocadas pelo Homem Jason Lee/Reuters (arquivo)

O relatório que será divulgado em Estocolmo provavelmente dirá que a temperatura global da Terra subiu 0,89 graus Celsius desde 1905, embora se tenha mantido mais ou menos estável nos últimos 15 anos.

Para o futuro, o IPCC traça quatro cenários, baseados em possíveis medidas para conter as emissões dos gases que estão a aquecer a atmosfera. No mais favorável – que implica reduções extremamente ambiciosas de emissões de gases com efeito de estufa – o termómetro pode subir entre 0,3 e 1,7 graus Celsius até 2100. No pior caso, o aumento está entre 2,6 e 4,8 graus. A subida média do nível do mar está estimada entre 26 e 81 centímetros.

Se o texto das versões mais recentes não tiver sido modificado na reunião do IPCC que decorreu esta semana em Estocolmo, do relatório sairá a convicção a 95% de que mais de metade do aquecimento desde a década de 1950 é resultado da actividade humana.

Alguns aspectos recentes do clima, como o “hiato” na última década e meia no aumento da temperatura global, serão novidade no relatório do IPCC. Mas, na essência, os seus resultados não diferem substancialmente da última avaliação, feita em 2007, senão num aspecto: o momento que o próprio IPCC atravessa, como instituição, é completamente diferente.

O painel, criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa de Ambiente das Nações Unidas, chegou ao seu auge em 2007, quando foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz. Mas a sua credibilidade foi posta em causa em 2009, depois de cientistas climáticos centrais para as sua avaliações terem sido acusados alegadamente esconder ou manipular dados, e sobretudo pelo próprio IPCC ter citado uma previsão errada de degelo dos glaciares dos Himalaias até 2035, com base numa fonte não científica.

Apesar de ter sido um erro em 3000 páginas, as críticas levaram o IPCC a um rigor ainda maior na preparação do relatório que é agora apresentado e em mais dois que serão publicados em 2014. “Há uma preocupação muito grande que tudo o que fique escrito seja muito testado e seja rastreável”, afirma o físico Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é revisor de um capítulo do IPCC sobre os impactos das alterações climáticas, que será concluído no próximo ano.

Na prática, cada afirmação tem de corresponder a uma fonte científica credível. E não só. Na avaliação da subida do nível do mar e dos seus efeitos, só foram levados em conta modelos de simulação baseados em leis físicas, em detrimento de outros semi-empíricos, que partem da observação do passado e projectam cenários estatísticos para o futuro. “Estes modelos foram simplesmente postos de lado”, diz Filipe Duarte Santos.

Pedro Viterbo, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera e revisor de um dos capítulos do relatório que é divulgado nesta sexta-feira, confirma o rigor adicional exigido ao trabalho. “Está presente todos os dias. Em emails, reuniões, documentos”, afirma.

Pelas mãos de Petro Viterbo passaram cerca de 3000 comentários à primeira versão do relatório e mais 3000 à segunda. A maioria vinha da própria comunidade científica, mas uma pequena parte não.

Todos os comentários têm de ser obrigatoriamente respondidos pelos autores e o revisor tem de assegurar que as sugestões ou são de alguma forma consideradas no texto final ou há uma resposta clara para a sua rejeição.

“Isto torna o processo muito moroso”, corrobora Filipe Duarte Santos. Em Janeiro passado, num plenário do IPCC na Austrália, vários cientistas levantaram a questão da complexidade e das dificuldades práticas em se realizar este trabalho.

Muitos defendem que o IPCC deixe de fazer relatórios tão amplos – e que são publicados em intervalos de seis a sete anos. “Sete anos é muito tempo”, diz Pedro Viterbo, acrescentando porém que alguns aspectos, como as simulações climáticas, exigem de facto mais tempo até chegarem a conclusões sólidas.

Mas outros poderiam ser abordados por relatórios mais focados, mais curtos e menos espaçados no tempo.

Ainda assim, para os cientistas os relatórios do IPCC funcionam como uma avaliação ímpar do conhecimento sobre as alterações climáticas. “São uma espécie de páginas amarelas do assunto”, compara Ricardo Trigo, climatologista do Instituto Dom Luiz, da Universidade de Lisboa. Mais do que isso, diz Trigo, é um trabalho de revisão científica tão cuidado que “é difícil fazer algo mais sério e mais profundo”.

O papel do IPCC não está só no campo científico, mas também no político. Os seus quatro relatórios anteriores (1991, 1995, 2001 e 2007) serviram de base para a diplomacia ambiental em momentos-chave, como a elaboração da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (1992), do Protocolo de Quioto (1997) ou para as conferências climáticas de Bali (2007) e Copenhaga (2009).

Mas não se sabe até que ponto um novo relatório agora, que não traz senão a confirmação do que já se sabia, impulsionará o ritmo das negociações em curso para um novo acordo internacional climático, que se arrastam lentamente para uma data limite de 2015, sendo que outras datas anteriores não foram cumpridas.

Para o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, não há dúvidas de que o IPCC foi e continua a ser importante neste aspecto. “As negociações foram sempre facilitadas pela ciência, através do trabalho do IPCC”, diz Lacasta, que liderou delegações portuguesas em várias conferências climáticas da ONU.

Seja como for, o IPCC possivelmente não será o mesmo. O próprio painel já tem feito algumas reformas internas e lançou recentemente um repto aos diversos países para sugerirem um novo futuro para o organismo. Na sua contribuição, a Holanda, por exemplo, defendeu que a necessidade do IPCC “ajustar os seus princípios”, deixando de ser um painel que tem como foco principal as alterações climáticas de origem humana. Também sugeriu que o IPCC deixasse de produzir relatórios “abrangentes”, para focalizar mais em temas novos e controversos.

O IPCC já fez saber que ainda este ano irá se debruçar mais sobre o seu futuro.
 

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