Afinal, o que se pretende com o cheque-ensino? Pais e especialistas levantam dúvidas

Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular garante que não há nenhuma "revolução" no que é proposto pelo ministério.

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Pais querem a mesma autonomia para as escolas públicas que os privados já têm Nélson Garrido/Arquivo

Mais: quem beneficiou mais, acrescenta Paulo Guinote, autor do blogue A Educação do Meu Umbigo, foram as melhores escolas e as famílias de classe média, não tendo havido uma melhoria dos resultados dos alunos mais fracos.

Já o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascenção, diz que o princípio da liberdade de escolha é bom, mas que a avançar nos moldes propostos pelo Ministério da Educação seria preciso garantir que as escolas públicas tinham tanta autonomia para definir os seus projectos educativos como as privadas. Isto para, de facto, concorrerem em igualdade de circunstâncias pelos alunos. "Actualmente não é o que acontece. Não me recordo, por exemplo, de o ministério ter ido aos colégios colocar entraves nas actividades de enriquecimento curricular que eles oferecem. No público é o que acontece", diz Ascenção.

Rodrigo Queiroz e Melo, director executivo da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular (Aeep), diz que a proposta do ministério de Nuno Crato, que está em cima da mesa para ser debatida com os parceiros, não muda assim tanto o modelo que já existe. "Não há aqui nenhuma revolução." Antes se define de forma mais clara os diferentes tipos de contratos que o Estado pode estabelecer com o ensino privado. A começar pelos contratos simples de apoio às famílias que, lembra Queiroz e Melo, existem na lei desde os anos 1980 (Decreto Lei 553/80).

Esse diploma de 1980 previa a atribuição de subsídios a alunos do privado e a redução das propinas. A forma como esta norma foi sendo interpretada e regulamentada ao longo dos anos, continua Queiroz e Melo, foi a de que apenas eram financiados os agregados com baixos rendimentos que, querendo pôr os filhos num colégio, se candidatassem a esse apoio. Na prática, diz, "o cheque-ensino existe desde os anos 1980, só que nenhum Governo quis implementá-lo" tal qual ele podia ser implementado à luz da lei.

Mais de 20 mil alunos apoiados
Em 2011, os contratos simples abrangiam quase 22.500 alunos — não garantiam a gratuitidade no ensino privado, mas faziam baixar os custos para as famílias com menos recursos. Agora, "a única coisa que muda é que se diz que o valor do apoio financeiro do Estado passa a ter como referência os custos das turmas no ensino público", diz Queiroz e Melo.

Mas na proposta de revisão do estatuto dos privados diz-se ainda, expressamente, que podem beneficiar destes contratos "todos os alunos do ensino básico e do ensino secundário não abrangidos por outros contratos". E é neste "todos" que muitos lêem: "generalização do cheque-ensino".

Queiroz e Melo explica que numa primeira fase continuarão a ser os alunos carenciados os beneficiários, já que as contas públicas do país não permitem actualmente aplicar o "cheque" a toda a gente que pretenda beneficiar dele. "Mas assim que for possível achamos que deve abranger todos." E o estatuto do ensino particular, tal como agora está a ser proposto pelo ministério, permite-o.

Já a Federação Nacional de Professores (Fenprof) emitiu um comunicado onde diz que "o Estado passará a pagar às famílias, com o dinheiro dos impostos dos contribuintes, a tão propalada liberdade de escolha de escola, independentemente de esta ser pública ou privada". Uma situação que "a Fenprof rejeita liminarmente." É "um passo no sentido do desmantelamento da escola pública e da privatização do ensino", acusa.

A ex-ministra da Educação do Governo liderado José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, também admite que o diploma proposto pelo Governo seja uma porta aberta para a generalização do cheque-ensino. E levanta sérias dúvidas a essa intenção.

As decisões sobre estas matérias "não podem basear-se só em princípios ideológicos ou crenças", diz Lurdes Rodrigues. Deve-se antes estudar "os resultados práticos" dos modelos aplicados em outros países. E o que os estudos da OCDE mostram, sublinha, é que a ideia de que com a generalização do cheque-ensino se aumenta a liberdade de escolha das famílias "é uma ilusão".

Paulo Guinote tem estudado bem o tema. "Uma coisa é o cheque-ensino para grupos de alunos mais carenciados. O sistema dos vouchers nos Estados Unidos serviu para isso", começa por dizer, e alunos que nunca poderiam pagar um bom colégio, que se adequava mais às suas necessidades, passaram a poder escolher.

Outra coisa, continua Guinote, é a universalização do modelo do cheque-ensino a todas as famílias. "Na Suécia, o primeiro país a aplicar esse modelo, e depois na Dinamarca, o que aconteceu foi um aumento da guetização das escolas" que já tinham piores resultados, ao mesmo tempo que os colégios privados "passaram a seleccionar ainda mais os alunos que entravam". Resultado: "As melhores escolas melhoraram e as da base não".

Há ainda o risco de muitos alunos continuarem simplesmente a não poder escolher. "A rede do ensino privado não cobre o país todo." E o cheque-ensino nunca cobre todas as despesas de frequentar um colégio.

Contactado pela TSF, fonte do Ministério da Educação afirmou que com a proposta de alteração do regime do ensino particular nada muda em relação às comparticipações do Estado para este sector. A mesma fonte sublinha que o estatuto ainda não está fechado e as propostas dos parceiros serão ponderadas.

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